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A VÊNUS NEGRA | O CORPO E O SOFRIMENTO COMO ATRAÇÃO


Era muito comum no século XIX os shows que exibiam pessoas com algum tipo de deformidade ou condição genética fora da norma daquela sociedade. Esse grupo de indivíduos eram vistos com curiosidades e passaram a ser tachados de aberrações. Porém, por detrás de toda a máscara do entretenimento havia problemas de uma sociedade preconceituosa e colonialista. Para contemplarmos o dia da Consciência Negra, neste vídeo trouxemos uma reflexão sobre o filme “A Vênus Negra” (2010) do diretor franco-tunisino Abdellatif Kechiche e que conta um pouco da dura vida de SARAH BAARTMAN.


Sarah Baartman foi contrabandeada para a Inglaterra onde foi vítima do empreendedor Hendrick que queria lucrar com a aparência da mulher e sua cor de pele. Oficialmente, ela não era escrava dele, e sim uma empregada doméstica, mas foi colocada em servidão após a morte do seu parceiro. Então ela foi manipulada a aceitar ir para Europa ganhar dinheiro exibindo sua imagem dentro de uma encenação grotesca. Ela era colocada em uma gaiola com roupas justas e se comportava como uma selvagem.


O filme tem fotografia granulada, que acentua a sujeira das cidades de Londres e Paris do século XIX. Suja também é toda a dinâmica em torno de uma mulher preta que é tratada como um objeto que pouco é considerada em suas necessidades, desejos e que é rotulada por causa de sua aparência.


A câmera é, na maioria das vezes, nervosa e muito próxima dos personagens, mostrando as reações, os movimentos das mãos e os olhares que revelam muito dentro do contexto exibido no filme. Toda a concepção técnica relacionada à câmera é definida para mostrar o nervosismo dos personagens e toda a confusão que se passa na vida desta mulher. Esse é um recurso muito usado, por exemplo, na cena do julgamento.


Abolicionistas pediram a libertação de Sarah, pois achavam as performances dela desumanas e grotescas. Apesar de toda a comoção, nenhuma grande mudança aconteceu. O homem que a explorava apenas recebeu advertências, mas Sarah continuava suas apresentações humilhantes. Depois de um tempo ela foi vendida a Réaux, um treinador de animais que lhe ensinou a se comportar como animal, o que abriu caminho a comportamentos perigosos que a levou ao alcoolismo e à prostituição.


O diretor realmente mostra a tortura de sarah de forma crua e, na maioria das vezes, demasiadamente grotesca. Esta é uma abordagem de fato questionável uma vez que Sarah é nitidamente representada como alguém manipulável por pessoas que se aproveitavam da sua condição de vulnerabilidade. Seja por motivos de curiosidade ou por fins científicos.


Devido a fama que as apresentações da Sarah ganharam em Paris, um grupo de cientistas pagaram para estudar o seu corpo. Ou seja, a corporeidade de uma mulher negra, algo que dentro da estrutura colonialista da época era aceitável, porém, hoje percebemos as complicações deste cenário. E isso é bastante desconfortável para a mulher que não tinha as escolhas do seu próprio corpo legitimadas. E este desconforto chega ao espectador já que o diretor mostra com detalhes todo o desenvolvimento deste estudo.


Nesta cena, por exemplo, há a despersonalização da mulher diante da tela. Seu corpo é separado por partes, ele se desconfigura como figura inteira e passa a ser representada pelas partes de um corpo mutilado. Da sua singularidade só sobram braços, pernas, seios, etc. São parte de um todo. E isso é apenas uma das coisas que atravessam essa mulher. Uma figura que nunca consegue construir sua própria personalidade perante o mundo.


A obra de Kechiche possui muitos problemas e um deles é que apesar de ter uma protagonista, o desenrolar da trama é todo conduzido por figuras masculinas. Ao passo que Sarah possui pouca força de ação e falas durante toda a obra. Tudo aquilo o que ela verdadeiramente é, seus desejos e habilidades ficam submersos na exposição do seu processo de anulação da sua subjetividade. O diretor foca apenas no drama de sua vida, através de uma narrativa triste e de sofrimento que pouco lhe dá voz.


É quase como se Kechiche, dentro de sua perspectiva masculina, tomasse uma atitude semelhante àquelas retratadas na na narrativa do filme, Utilizando sua história sofrida para chamar atenção sem se preocupar em propor alguma reflexão com o filme para além do choque instantâneo e passageiro junto ao espectador.


Diante disso, está bem claro que “A Vênus Negra”, apesar de todo seu rigor estético, tem uma abordagem superficial para com as questões que a trajetória de Sarah reclama. O que nos leva à conclusão de que o longa se enquadra a uma cinefilia desgastada e ultrapassada, que não supre mais as questões que a sociedade contemporânea acarreta.


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