AINDA NÃO É AMANHÃ | OS DILEMAS E OS GESTOS FEMININOS
- raianecfferreira
- 4 de jun.
- 3 min de leitura
Direção e Roteiro: Milena Times | País: Brasil | Ano: 2024 | Duração: 77 min | Distribuição: Embaúba Filmes

É muito legal ver como o cinema pode trazer distintas histórias com a mesma temática. Neste primeiro longa de Milena Times, temos uma narrativa já abordada em “Never Rarely Sometimes Always” (2020) de Eliza Hittman, ou “O acontecimento” (2021) de Audrey Diwan, e até mesmo no brasileiro “Levante” (2023) de Lillah Halla. Em todos esses filmes temos a questão do aborto em jogo, cada um de forma diferente.
“Ainda não é amanhã” não propõe uma narrativa extraordinária, vamos dizer assim, mas traz, através da sutileza, um retrato da vida de uma jovem brasileira, de classe média baixa, que é a única da família a ir pra faculdade, mas que descobre que está grávida. A partir daí, acompanhamos a moça em meio a dilemas íntimos que podem mudar sua vida.
A decisão de gestar ou não uma criança é uma questão que surge, uma hora ou outra, na vida de uma mulher. A sociedade impõe padrões para o feminino, e ser mãe é um deles. Mas e quando a maternidade se antecipa? Neste longa, Janaína vê seus planos de vida irem “para o ralo” com a descoberta da gravidez, e toma uma decisão difícil: a de abortar.
O filme não propõe nada de tão grandioso, porém, é significativo a sutileza com que as relações são postas. Os diálogos naturalistas dão um tom sóbrio ao trabalho, assim como as performances das atrizes, que enriquecem bastante o filme. E, embora Janaína tenha receio de contar sua situação à mãe e à avó, o filme não se deixa cair ao drama carregado, ele propõe uma abordagem mais equilibrada e madura, mais humana e, de certa forma, mais feminina.

Assim, posso dizer que temos um longa verdadeiramente sensível, não por tratar a temática com delicadeza, mas pelo modo como o gestual é posto na tela. O filme possui gestos sensíveis que mostram muito da relação entre as mulheres da história, seja assistindo a novela juntas, ajudando no trato do cabelo da mãe, ou no apoio da amiga diante das angústias. São entregas e estados de presença que, de fato, interessam. Eles podem estar na esfera do banal e cotidiano, mas tratam de ações potentes para a materialidade do filme, pois são estes gestos corporais que dão vida ao trabalho. E, aqui, são gestos femininos que não precisam ser mais do que são.
Algumas pessoas podem até não gostar do filme, pelo fato de termos uma narrativa cotidiana, mesmo que com uma temática complexa. Lembro, então, de uma grande diretora do cinema que propôs uma perspectiva para o gesto feminino, cuja obra, ainda hoje, pode ser desconhecida para muitas pessoas. Sim, falo de Chantal Akerman, uma das grandes cineastas da história do cinema mundial, mais conhecida pelo filme “Jeanne Dielman” (1975), eleito o melhor filme de todos os tempos, ficando em 1º lugar na lista do British Film Institute no ano de 2022.
Não me entendam mal, não estou comparando o filme de Times com os de Akerman, mas compartilhando uma reflexão que me surgiu. Diante meus estudos sobre cinema, feminismo e cinema de mulheres, venho cada vez mais pensando que, talvez o cinema realmente feminista não deva ser categorizado assim somente pela narrativa ou pelo tema, mas sim pelo seu interesse no corpo, nos gestos, nas sensações, nas performances e nas trajetórias de mulheres. E consigo ver um pouco desse caminho, mesmo de forma sutil, em “Ainda não é amanhã”.
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