A Arlequina é uma das mais icônicas personagens femininas da Gotham City desenvolvida pela DC, e de certa forma sua personalidade acarreta muita curiosidade do público. A vilã estreou nos cinemas em 2016 em Esquadrão Suicida, e foi interpretada por Margot Robbie. A performance da atriz cativou o público e o resultado disso foi o longa "Aves de Rapina: Arlequina e Sua Emancipação Fantabulosa".
Aves de rapina foi produzido e lançado em (2020) pela DC Entertainment, a direção ficou por conta da diretora, roteirista e produtora Cathy Yan, que tem como primeiro longa a comédia dramática Dead Pigs (2018) premiada no Festival de Sundance em 2018. A escolha por uma diretora partiu da iniciativa da Warner de contratar cineastas mulheres para investir na representatividade feminina da DC.
Diferente de Esquadrão Suicida, em que há a sexualização do corpo de Harley Quinn, esta sua nova jornada carrega uma leve vertente feminista, pois agora a anti-heroína está sem a proteção de seu ex-companheiro, o Coringa. Com isso ela precisa lidar com as consequências de suas próprias ações, melhorar seu ciclo social, realinhar sua imagem e conquistar a emancipação.
A princípio somos inseridos na trama através da narração da própria protagonista, e este artifício demonstra que a vilã está a frente da história, é ela quem conta, apresenta os acontecimentos e os personagens, sempre expondo seus pensamentos desconexos, e é por conta desta característica que a obra tem um aspecto caótico, já que ele é a expressão de sua mente.
O primeiro ato do filme tem uma dinâmica frenética e desordenada que dificulta um pouco a absorção das informações e o fluxo da história. A narradora volta três vezes no passado para trazer algumas informações, apresentando também as personagens envolvidas na história que compõem o resto do grupo; Canário Negro (Jurnee Smollet-Bell), Caçadora (Mary Elizabeth Winstead) e Renee Montoya (Rosie Perez).
O ar debochado do filme é equilibrado e nunca ultrapassa a sua narrativa, já que também há a proposta de trazer o clima sombrio a obra, algo mais explorado no último ato do filme através da fotografia e design de produção. A trilha sonora, de maioria pop, faz o trabalho se assimilar ao videoclipe, e até que faz sentido para a escolha estética do longa.
A grande problemática, a meu ver, são as personagens femininas. Por mais que o grupo Aves de Rapina seja composto por mulheres fortes e mais realistas comparados às outras heroínas, há uma composição que nunca passa da superfície, e quando analisadas percebemos que não são bem desenvolvidas, nem sozinhas nem em grupo.
Diferente de Alerquina, que já foi bem construída pelos quadrinhos, sabemos pouquíssimo das demais. A Caçadora desenvolveu habilidades de uma vingadora, e possui apenas o objetivo de vingar a morte de sua família, pelo menos é a única coisa que sabemos sobre ela. Renee Montoya pode ser caracterizada como uma policial de espírito heroico, e permanece neste clichê tão abordado pelas produções norte-americanas.
Canário Negro é uma jovem independente e responsável, mas que está presa a uma estrutura repressora, o filme cogita um mistério sobre a potência de sua voz, mas não é aprofundado na realização. E por último temos a jovem Cassandra Cain, a pequena ladra é a causa do conflito principal da narrativa, tirando isso ela é apenas uma figura cômica e carismática.
O grupo se unem pela necessidade do momento já que, de certa forma, estão ligadas a um Mcguffin, termo basicamente usado para caracterizar um objeto que todos da história estão atrás, ele movimenta a trama, mas sua origem não tem muita importância. Neste filme este dispositivo narrativo é o diamante da família Bertinelli, é por conta dele que o caminho das moças se cruzam e elas se juntam para enfrentar o Máscara negra.
O filme carrega características estéticas que não fogem muito dos filmes produzidos pela DC, como o uso do slow motion nas passagens de lutas, a câmera nervosa em momentos específicos, grandes travelings que acompanham o personagem, e cortes rápidos nas cenas de impacto. Porém, a ação deixa a desejar. As cenas de luta são genéricas mesmo no momento em que todas lutam juntas, resume-se apenas a uma cena catártica para que os espectadores vejam mulheres batendo em homens sem nenhuma complexidade em luta, é de fato uma performance.
Então as garotas de 'Aves de Rapina' ainda estão ligadas à superficialidade que persegue a maioria das mulheres ficcionais dos grandes estúdios. E isso é claramente percebido pelo uso dos estereótipos utilizados nestas figuras, o que demonstra o desinteresse destas produções de repensar as personagens femininas.
A iniciativa de trazer mulheres para dirigir estas produções é válida e bem-vinda, mas é importante também que elas tenham autonomia na concepção do indivíduo feminino no trabalho. A diferença entre o primeiro longa de Cathy Yan e 'Aves de Rapina' é perceptível. Dead Pigs (2018) é um filme autêntico que fala da polaridade entre a modernização e a pobreza existente na China, nele também acompanhamos vários personagens em linhas específicas de ação, que são bem mais elaborados e desenvolvidos na narrativa.
Porém, a diretora não consegue trazer a mesma complexidade para os personagens no longa da DC, e os roteiristas deste trabalho também não se preocuparam em ter um olhar mais aguçado para com as mulheres do filme. Então há sim uma divergência naquilo que o filme propõe, e o que ele trás de fato, sendo apenas mais uma obra frustrante e sem profundidade.
Título original: Birds of Prey
Ano: 2020
Direção: Cathy Yan
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