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BENEDETTA | DO PROVOCATIVO AO BANAL



Título: Benedetta | Diretor: Paul Verhoeven | Ano: 2021


O cinema está repleto de obras polêmicas, sejam por utilizar imagens muito gráficas de violências ou satirizar religiões. Um grande exemplo disso é o recente filme de Paul Verhoeven, Benedetta, cuja estreia em Nova York foi marcada por inúmeros protestos religiosos contra o filme. Podemos até considerar ele um dos filmes mais polêmicos de 2021, por causa do diretor e sua temática.


Benedetta tem como base o livro “Atos Impuros” de Judith C. Brown, que em uma pesquisa em arquivos eclesiásticos, encontrou por acaso uma pasta sem nome que se tratava do julgamento de uma freira católica do século XVII (17). A religiosa havia sido afastada por ter uma relação amorosa lesbica. É diante deste fato que Paul Verhoeven constrói um filme extremamente denso e repleto de críticas aos regimes da igreja católica.

O livro tem uma análise histórica bem construída pela historiadora, porém no filme há um foco maior para a sexualidade de Benedetta. É desta forma que a sátira surge como base das múltiplas possibilidades e imprevisibilidade. Verhoeven consegue mostrar as políticas da igreja muito bem a partir de um convento, onde existem regras e rituais, porém, o isolado lugar não fica isento da crise vivida naquele momento.


Acompanhamos Benedetta em sua rotineira prática religiosa no convento até a chegada de Bartolomea (Daphne Patakia), uma jovem moça cuja violência sofrida por parte do pai e dos irmãos faz com que ela busque ajuda junto às freiras. A presença da garota ativa interesses em Benedetta e não demora muito para as duas se aproximarem e iniciarem um romance proibido. À medida que os dias passam, os casos místicos da freira aumentam, assim como a atenção das hierarquias do clero para a moça. Tudo se complica ainda mais quando a protagonista começa a relatar sua capacidade de falar com Jesus. A religiosa começa a gerar uma dupla impressão, uma vez que para alguns ela passa a ser vista como uma profetisa, para outras, uma desajustada. Essa é uma incógnita que o próprio Verhoeven não tem interesse em responder.


De início, o longa exprime bem as visões da protagonista e sua atitude perante a elas. Boa parte de algumas das escolhas que ele dá a ver, mais adiante acabam deixando algumas pistas sobre as futuras rupturas percebidas no filme. A obra acaba, no entanto, se contradizendo no sentido que deixa de lado elementos presentes no livro ao partir para uma exploração mais violenta e provocativa da narrativa. É claro que a história real possui muitas lacunas, já que não há um registro completo ou uma data mais marcante para os eventos ocorridos. Entretanto, o longa deixa em aberto muitas nuances por ele mesmo propostas. Benedetta realmente faz milagres? Ela está apenas possuída, ou é uma fraude?


No somatório de tudo isso, a mensagem que o filme passa acaba sendo dúbia e confusa. Não conseguimos entender bem o que a figura de Benedetta representa diante dos seus dilemas e desafios como mulher, freira, lésbica e sensitiva. Ao invés de desenvolver melhor a protagonista, a direção apenas a coloca em um lugar superficial. Por mais que sua presença garanta tensões na narrativa, na qual faz estremecer a estrutura da igreja, tanto pela sua sexualidade quanto pela sua paranormalidade, a abordagem de Verhoeven generaliza estes aspectos de forma a apenas polemiza-los.


A falta de desenvolvimento também acontece nos demais personagens da história, em sua maioria caricatos e estereotipados. A personalidade de Benedetta também é questionável. De início, temos sua imagem como uma jovem ingênua, bondosa e cuja fé inabalável nos dogmas da igreja ela segue irredutivelmente. Porém em outros momentos, ela parece compactuar com os mesmos comportamentos dos seus superiores, sendo agressiva e manipuladora no trato das pessoas ao seu redor.


Sem falar que há um certo olhar fetichista para com a imagem da protagonista e sua amante. Começando pela escolha de atrizes torneadas, magras e de corpos depilados, algo que não condiz muito com o padrão dos corpos do contexto histórico representado pelo filme. Sim, são detalhes estilísticos, mas que chamam atenção principalmente quando temos na tela uma construção fora do discurso que deseja ser tematicamente colocado.


O uso de artifícios do gênero de horror também compreende um certo ruído no filme, assim como a trilha sonora que acaba apelando para uma certa indução daquilo que o espectador possa vir a sentir na experiência com a obra. Aliado a isso, notamos que na metade do filme, há um total abandono da abordagem simbólica e uma tensão entre fé e razão no início, prevalecendo uma ideia moral clichê, deixando de lado a própria jornada da personagem, cujo tratamento passa a ser abordado de modo banal. Então, nota-se que o diretor não explora todos os desdobramentos que a personagem pode ter a partir de toda a sua complexa figura.


Por essas e outras razões, o filme não consegue seguir uma linha de raciocínio crescente que sustente uma ideia central. Ele foca apenas em usar a imagem polêmica de uma mulher membro da igreja, homossexual e com dons paranormais que espantavam a sociedade da época.


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