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BORDER | O FEIO E O BELO NAS CRIATURAS CONTEMPORÂNEAS


Ano: 2018

Diretor: Ali Abbasi


É fato que hoje existe uma vasta diversidade de obras cinematográficas. E no exercício da criação de novas formas de contar, o abordar uma temática não deve se limitar apenas a uma estrutura pré-estabelecida. É na forma de ver o mundo diante do fazer criativo que a arte se abre para outras abordagens. Pensando em filmes incomuns e ousados, mas que não chegam a ser esdrúxulos ou apelativos, veio em minha memória “Border” (2019), um longa sueco que foi indicado ao Oscar 2019 de Melhor Maquiagem e Cabelos e que propõe uma experiência distinta ao espectador muito além do que um prêmio técnico pode dar a ver.


Em Border, acompanhamos Tina (Eva Melander), uma policial que trabalha fiscalizando bagagens e passageiros que chegam na Suécia. A mulher, de aparência distinta por causa de um cromossomo adicional, sofre preconceitos e vive de forma reclusa, tendo a floresta como refúgio. Além disso, ela possui um dom de ler as pessoas através dos sentidos, o que lhe garante uma certa vantagem no trabalho. Porém, algo muda quando ela conhece Vore (Eero Milonoff), um misterioso homem no qual Tina se identifica fisicamente.


Ao estabelecer essa relação, a personagem percebe algo estranho nesse chamado, uma vez que esse desconhecido pode vir a ser um criminoso em potencial. Porém ela não consegue provar que sua intuição está certa. Esse homem desperta a curiosidade nela, pois a protagonista, em tese, nunca havia conhecido alguém semelhante, e, naturalmente, os dois acabam se aproximando. Este envolvimento desencadeia uma série de revelações, umas de caráter mais contextual e padronizada e outras de maneira mais iconoclasta e grotescas, que fazem mudar completamente a visão da heroína sobre o mundo e sobre si mesma.


Nisso, o filme abre muitos questionamentos, não só pelo fato de termos personagens misteriosos, mas também pela própria condução da narrativa. Uma vez que ela opta por resolver as perguntas progressivamente ao decorrer da complexa trama. Essa é uma escolha que pode trazer elementos de subversão em alguma medida, mas que se encontra muito numa relação de dependência com a abertura do espectador. É nesse sentido que o longa pode vir a surpreender, mas para isso é preciso estar aberto para viver as sensações propostas pela experiência, que instiga encantamento e espanto ao mesmo tempo.

É considerando isso que a direção trabalha muito bem o desenvolvimento da protagonista, por exemplo. Tina, por mais que sua aparência cause estranhamento, possui uma personalidade generosa, atenciosa e moralmente correta. Ela gosta de ser útil e ajudar pessoas, além de possuir uma conexão diferenciada com a natureza. Por isso ela mora distante da cidade e se permite viver momentos livres dentro da fauna. Ao acompanharmos o dia a dia da jovem, criamos uma conexão com ela e com sua solitária vida.


Ao ver alguém parecido com ela, Tina se sente feliz em poder conversar com essa espécie de “duplo” seu. Desse outro que parece lhe entender muito bem. Por isso, ela encontra em Vore um parceiro que não julga suas peculiaridades. No entanto, por trás desta relação, há um propósito sombrio por parte do curioso homem, algo que só nos será revelado mais a frente na história.


O corpo e a sexualidade são colocados no trabalho sem muita ênfase e a questão do materno aparece com estranheza, já que os corpos feminino e masculino da espécie de Tina e Vore possuem outra maneira de gerar um ser. E o diretor vai brincando com as convenções do homem e daquilo que acreditamos ser a norma institucionalizada na sociedade contemporânea.


O universo deste trabalho é particularmente escuro e frio muito em função do uso de cores dessaturadas. Esta escolha está alinhada ao próprio enredo e a personalidade introvertida da protagonista. Não é à toa que ele é classificado como terror psicológico, já que trabalha bem os elementos mentais ao instigar sensações que causam desconforto mental no público, este aparece na própria composição dos enquadramentos, escolha de planos, ângulos e luz.


Quando pensamos nessa abordagem mais ligada à veia fantástica, notamos que o filme engloba isso a partir de uma estética naturalista. O que possibilita uma leitura metafórica sobre o ser humano e esta se dá através da mitologia atribuída à figura de Tina. A protagonista procura se adequar às regras e padrões de um sistema que lhe excluiu por sua natureza Troll, julgando-a selvagem. Porém não é novidade que o próprio ser humano age, muitas vezes, de forma primitiva.


Por isso que o filme propõe uma crítica aos costumes de uma sociedade cheia de dualidades e máscaras, onde existem mecanismos de controle, direitos, deveres, mas também residem o descaso com regras básicas e éticas. A reflexão da obra também acontece pela inexistência do respeito para com os seres de outros continentes e outras raças,de uma posição xenófaba que se choca com essa representação de mundo ideal não só pela natureza instintiva do homem, mas também pela sua falta de empatia.


Por isso que temos em Border um filme impactante, grotesco e forte, mas ao mesmo tempo cheio de beleza e sensibilidade. Um filme para lembrarmos, com certeza.


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