A transição da infância para a juventude não é algo simples, nem fácil. Há uma série de mudanças que acontecem no corpo, na percepção de mundo, e na função social. Para as meninas, a procura por um amor é normalizada e incentivada, e em muitas obras cinematográficas para o público juvenil as meninas eram muitas vezes associadas a uma figura masculina. E eis que surge o filme “Catarina, a Menina Chamada Passarinha”, dirigido por Lena Dunham, e que tem uma protagonista fora destes parâmetros.
O filme é baseado no romance infantil de mesmo nome escrito por Karen Cushman, e é uma comédia sobre amadurecimento ambientada na Inglaterra Medieval. Nele acompanhamos Catarina (Bella Ramsey), mais conhecida como passarinha, já que é uma menina espirituosa, inteligente e aventureira que pensa fora dos padrões impostas às mulheres. Enquanto ela se aventura pela vida descobrindo o amadurecimento de seu corpo, ela evita os pretendentes que seu pai arranja para ela.
Os conflitos da narrativa são compreendidos de fato pela direção, e até mesmo pequenas escolhas que foram feitas, garantem uma estrutura assertiva para tudo o que a obra deseja trazer ao espectador. Com isso, é nítido que o olhar feminino de Lena Dunham na direção, aqui tem muita relevância.
Nesta incrível obra, temos uma protagonista jovem que consegue se desprender de todas as armadilhas narrativas impostas às mulheres no cinema. Diferente de Enola Holmes, neste filme, por mais que haja muitas presenças masculinas na vida da menina, nenhuma lhe desvia de sua própria aventura. Ela vive o que acredita, e faz descobertas por si, aprende sobre o perdão, sobre a compaixão, e que nem tudo é como ela acredita ser.
Diante da enorme pressão que Catarina tem para se casar, ela não cede facilmente. A pesar de todo o contexto, ela ainda é muito inocente, pouco sabe sobre questões de sexo, gênero, mesntruação ou gravidês. E aos poucos ela tem uma clareza ainda despregada de todos os paradigmas em cima destas questões, e isso é muito positivo, pois desconstrói as amarras do assunto de forma leve e fluida.
A linguagem cinematográfica, e a construção da época é leve, com cores e luzes, lembrando os filmes infantis de contos de fadas. Até cenas fortes como a do parto, possuem um tom menos dramático apesar da situação e do ambiente. A diretora opta por utilizar músicas contemporâneas dentro de um filme de época, algo que já foi muito utilizado por Sofia Coppola em “Maria Antonieta”.
A escolha por Bella Ramsey também não é proposital, e só poderia ter vindo de uma diretora, já que a própria atriz não carrega traços sensuais, e nem Lana quer acentuar isso. Ela apenas quer garantir que a personalidade inocente, moleca e sonhadora da personagem sobressaia a este olhar fetichista para com o corpo feminino. E a performance da atriz também acentua toda energia que a protagonista tem.
O roteiro, aqui, é o seu ponto mais positivo, os diálogos são claros e ajuda no desenrolar dos acontecimentos, todos os personagens possuem uma função para a trama, o ponto de vista da protagonista permanece do início ao fim, até mesmo a narração da própria passarinha não perde sua essência ou função no filme. E mesmo que tenha a quebra da quarta parede, neste filme ele só aparece em um momento específico que ajuda na relação do público com a história.
A escolha por pretendentes bem mais velhos e de aparência estranha desejando se casar com a menina, também não é proposital, pois isto garante as tensões necessárias para entender o real drama da passarinha. Apesar de tudo isso, os eventos são colocados de forma pouco dramática, apesar das complexidades que este universo carrega.
A aventura aqui não é algo grandioso, pois a menina passarinha não sai do seu ciclo conhecido, na verdade a saga é interna, daquilo que permite o descobrimento de si perante o mundo, superando ideias antigas, construindo uma nova relação com a família, com os amigos e com os que surgem no caminho. Por isso tudo que Catarina, a Menina Chamada Passarinha disponível na Amazon Prime é uma das melhores e mais sinceras obras deste ano de 2022.
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