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"Certas mulheres". Detalhes da vida feminina.

Atualizado: 12 de jul. de 2021


O dia a dia de uma mulher parece ser como o de qualquer outra pessoa, porém em uma sociedade patriarcal, ainda existem algumas atitudes que passam despercebidas, e que são machistas, ou até mesmo misóginas. Com isso, o filme Certas mulheres (2016), da diretora Kelly Reichardt, traz uma reflexão interessante sobre este tema.


Temos em Certas mulheres, três histórias que se assemelham a contos. A primeira mostra Laura Wells (Laura Deren), uma advogada que está tentando ajudar um de seus clientes. Fuller (Jared Harris), um operário que foi vítima de um acidente no trabalho e que quer entrar na justiça para conseguir algo com o ocorrido.


Laura, como sua advogada, menciona que os argumentos não validam o caso, sendo este muito fraco para continuar. O homem parece não dar credibilidade ao que ela diz, e procura a opinião de um advogado homem. Mas, para sua infelicidade, ele apenas coloca as mesmas observações que Laura. Só que agora, ouvindo de um homem, o operário aceita a derrota.


A história de Laura é um pequeno retrato sobre a mulher no mercado de trabalho, mostrando a perspectiva distorcida existente para com a credibilidade profissional entre os sexos. Simplesmente por ser mulher, Laura se sente ignorada pelo seu cliente, e deixa isso explícito em uma de suas falas. Em uma conversa ao telefone, ela comenta ao seu amante, que seu trabalho seria menos cansativo se ela fosse um homem.

A história avança e Laura é acordada no meio da noite pela polícia. Fuller sequestra um trabalhador noturno e diante desta confusão, Laura é chamada para tentar dialogar com ele. Tarefa destinada a derrota. O filme mostra a instabilidade de um homem hétero, que se frustra e não sabe lidar com isso, optando pela violência diante de uma visão distorcida da realidade.


O interessante aqui é ver a mulher no papel de agente da solução. Porém, não haverá solução se não existir reconhecimento para com a mulher. Pois talvez a luta feminista por direitos iguais só terá fim quando o retrato da masculinidade mudar. Não há semente que cresça em um solo infértil.


Sua fotografia é levemente escura com cores bem tímidas, sem muito brilho. Possui também uma encenação contida, sendo necessário muita atenção para perceber o objetivos das ações por sua sutileza. Nem sempre as informações surgem através de diálogos, ao invés disso, a diretora opta por contar os fatos pelas expressões de suas personagens femininas.


A segunda história é a de Gina Lowis (Michelle Williams) que junto do marido, Ryan (James Le Gros), amante de Laura, deseja construir uma casa na região. Com isso eles procuram pedras da época da independência, o que daria uma identidade para seu novo lar. Os dois não têm um bom relacionamento, o que justifica a distância entre eles, Gina possui uma personalidade forte, e Ryan está sempre apático diante da esposa.

A história caminha um passo por vez até chegar ao seu objetivo. O casal encontra um senhor que mora pelas redondezas e que possui algumas dessas pedras. Seu comportamento, no entanto, é estranho para com Gina. O velho atende o casal, mas parece ignorar as abordagens da mulher, como se ela não existisse, como se não merecesse sua atenção. Ao contrário do marido, que consegue um olhar mais amigável do inquilino.


A exclusão do velho mostra o quanto a cultura machista está presente na sociedade ocidental, principalmente nas gerações mais antigas. Percebe-se o clima de estranheza, mas Ryan não se posiciona em defesa da esposa. E mesmo que ela se coloque incisivamente em sua proposta para com as pedras, o velho continua a ignorá-la apenas por ser mulher.


O casal consegue uma leve aprovação do velho, porém ainda não há um respeito à figura de Gina, que, na posição daquele senhor, não mereceria sua simpatia e atenção apenas por ela ser mulher. Talvez ela não entenda muito bem o que o faz agir com rispidez, e confesso que é preciso um olhar feminino mais apurado para entender a causa de tal atitude, sendo ela uma de tantos posicionamentos machistas que permeiam o dia a dia de uma mulher.

A terceira história se difere das anteriores pois temos duas mulheres como protagonistas. Uma delas é Jamie, (Lily Gladstone) que trabalha em um rancho onde vive com seus irmãos. Em uma noite banal ela entra em uma aula de Direito, e conhece a professora novata Beth Travis (Kristen Stewart). Jamie se interessa pela jovem educadora e passa a frequentar as aulas regularmente.


Jamie é jovem, tímida e reservada. Uma mulher de ações sutis. E isso talvez tenha ligação com a sua sexualidade, desaprovada no ambiente onde mora. O interesse dela pela professora é evidente. A garota procura sempre estar perto de Beth. Oferece carona, faz companhia enquanto ela lancha. As duas conversam de forma simpática. Porém, da parte de Beth, o interesse não é correspondido, por mais que a trate com respeito, talvez seja por isso que a inocente Jamie acredite no romance entre elas.


A jovem alimenta a esperança da relação, mesmo pequenas coisas já a anima. Quem já teve um amor platônico entenderá o sentimento de Jamie, pois aquela relação só existe na cabeça da personagem, e nem todos os seus desejos necessariamente passam a se concretizar.

Esta terceira história não dá muita informação sobre o que Beth pensa sobre as intenções sutís da apaixonada Jamie. Muitas coisas não são ditas, mas de certa forma estão nas entrelinhas, e podem ser entendidas através da relação entre os personagens e o filme explora muito bem esses momentos.


O ritmo lento do filme pode não agradar, já que ele procura enfatizar o tempo real dos acontecimentos. Mas apesar disso, esta é sem dúvida uma das obras que faz uma crítica, mesmo que sutil, ao machismo no mundo moderno e que ainda está enraizado nas estruturas sociais. E é por isso que o trabalho não propõe um desfecho aos contos, ele apenas coloca os acontecimentos como algo passageiro, mas que marcam a vida destas mulheres.



Título original: Certain Women

Direção: Kelly Reichardt

País: Estados Unidos

Ano: 2016

Duração: 107 min

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