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"Elles". O feminino entre a puta e a esposa.

Atualizado: 16 de jan. de 2019



É incrível como a sociedade patriarcal mantém os seus valores na invisibilidade das atividades do submundo social. E uma dessas atividades veladas é a prostituição. A troca consciente de favores sexuais por dinheiro é uma das profissões mais antigas do mundo, sendo categorizada como um dos ramos da indústria do sexo, que gira em torno da satisfação sexual masculina. Este assunto é explorado em várias obras cinematográficas, porém, em Elles (2011) a diretora franco-polonesa Malgorzata Szumowska abandona o moralismo e ousa em expor as relações sonegadas que permeiam a temática.


Elles é uma obra quase toda feminina, vigorosamente motivada pelas mulheres que trabalharam no longa. O filme tem como protagonista, Anne (Juliette Binoche), uma jornalista famosa, casada com um empresário, e mãe de dois meninos. Ela recebe a proposta de escrever um artigo para a revista Elle (ela), sobre jovens estudantes que se prostituem em Paris. Então, com o objetivo de ter material para seu artigo, ela entrevista duas jovens que se prostituem para ter dinheiro, uma delas é a francesa Charlotte, de codinome Lola (Anaïs Demoustier), que oculta do namorado e da família sua profissão, e a polonesa Alicja (Joanna Kulig) que chega a Paris e não vê muitas alternativas de se manter no país. Ao longo das entrevistas, a jornalista começa a ter uma certa empatia pelas meninas, construindo uma intimidade entre elas e mudando sua perspectiva sobre sexualidade.



Anne faz perguntas de todos os tipos como: porquê da escolha esta profissão? Como foi a primeira vez fazendo um programa? Como são os clientes? As moças contam suas experiências detalhadamente, e revelam de primeira que a maioria de seus clientes são homens casados que fazem com elas o que não "podem fazer" com as esposas. De início, o discurso das meninas favorece as vantagens e o prazer de suas escolhas, porém, ao longo do filme este discurso não se sustenta, e cena após cena, é destacado o quão vulnerável se encontram. Por isso, o filme pode chocar pela sua crueza, pela fotografia naturalista, pelas cenas de sexo áspero e aflitivo, e pelo uso do som que deixa claro a relação de poder e prazer usando a música erudita em algumas cenas de sexo.


Por mais que o prazer masculino esteja diretamente ligado à prostituição, Malgorzata está mais preocupada em falar sobre o prazer feminino. Assim, o filme também traz cenas com conotação sexual sutis que vão da forma com Anne abre as ostras e sente o erótico escondido, ou de como ela massageia os pés de seu pai, ou até mesmo da masturbação frustrada pelo não alcance do orgasmo. A diretora também mostra a fragilidade do homem machista. Traz então um masculino meramente patético, raso e abalado pela independência feminina. Sendo assim, estes procuram as prostitutas como válvula de escape. Patrick (Louis-do De Lencquesaing), marido de Anne, se enquadra no perfil dos clientes das jovens garotas de programa, e se mostra frágil na hora em que censura sua mulher de falar sobre feminismo na noite do jantar com seu patrão, pois é a única maneira de manter as aparências de homem viril.



A relação matrimonial de Anne e Patrick está claramente abalada, e, por mais que seja uma mulher bem sucedida, ela não é feliz, e provavelmente seu marido também não. Isso se torna mais claro quando ela descobre que Patrick consome pornografia em seu computador. Isso faz os dois discutirem sobre prostituição, onde Anne questiona se as moças são realmente putas. Já Patrick afirma sem hesitar; "uma puta é uma puta!" A partir deste momento Anne tem a certeza de que o marido procura prostitutas através da forma como ele age diante do tema. Com isso o fetichismo da família feliz é desconstituída subjetivamente na cena do jantar, pois Anne vê o perfil dos clientes de suas entrevistadas, nos homens presentes à mesa, o que faz ela abandonar o local e sair de casa.


Por mais que exista a grande barreira social entre prostitutas e esposas, Anne sente admiração pela forma como as jovens são livres para se arriscar em forma de prazer, algo que ela se privou de sentir. Porém, as garotas também desejam uma vida diferente. Charlotte, após sofrer abuso por parte de um cliente, revela sentir que a escolha da prostituição irá ficar em seu corpo por um longo tempo, como um mal cheiro difícil de sair, e, com tristeza, diz que jamais terá a vida "perfeita" como a de Anne.


Todas as mulheres deste filme são vítimas da crueldade da sociedade que rotula a mulher como puta ou esposa, não podendo haver um intermediário entre as duas coisas. Exime a possibilidade de que a mulher casada possa ter desejos sexuais e de que a prostituta possa também se casar e construir uma família. Tudo isso só revela que, por mais que as mulheres tenham conquistado um pouco de espaço na sociedade e no mercado de trabalho, elas ainda carecem de liberdade para definir seu caminho. Sempre haverá algo que a põe neste lugar de puta/ objeto descartável, ou de santa/ mãe/ esposa.



Ficha técnica

Título original: Elles

Diretor: Malgoska Szumowska

Duração: 99 minutos

Ano: 2011



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