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FRESH | AS MUTILAÇÕES DA ILUSÃO ROMÂNTICA


Ano: 2022 | Direção: Mimi Cave


O relacionar-se é algo intrínseco da vida humana, pois sem a vida social a humanidade não se desenvolveria. E isso nos legitima dizer que a convivência é algo essencial para o crescimento de cada indivíduo. Dentro disso é que também entendemos o relacionamento amoroso, no qual sofreu mudanças ao longo das décadas. Hoje temos uma estrutura de amor romântico enquadrado naquilo que foi caracterizado por Zygmunt Bauman como “amor líquido". E é comum muitas produções refletirem sobre esta distinta maneira de amor na modernidade líquida.


Assim como “ELA” (Spike Jonze, 2013), “MEDIANERAS” (Gustavo Taretto, 2011) e AMORES EXPRESSOS (Wong Kar Wai, 1994), encontramos em “FRESH” (2022) da diretora Mimi Cave, uma história de terror ácido que propõe reflexões sobre as fragilidades e e os perigos das relações superficiais, etéreas e com menor compromisso.


O filme conta a estória de Noa (Daisy Edgar-Jones), uma jovem solteira que está cansada de encontros frustrantes através de aplicativos de relacionamento, e conta com o apoio de sua amiga Mollie (Jonica T. Gibbs). No meio disso tudo ela encontra Steve (Sebastian Stan) aleatoriamente em um supermercado. E é assim que a trama se desenrola a partir das descobertas sobre esse estranho homem que entra na vida da protagonista.


A estrutura da obra revela sempre um certo clima de estranheza, como se tivéssemos uma sensação constante de que algo irá acontecer dentro da dinâmica do recente casal. A diretora constrói uma espécie de conto de fadas quase impossível de acreditar por ser tão perfeito na interação entre os dois. Ao se deparar com as atividades felizes entre os dois, o espectador ou expectadora pode se perder na esperança de que este relacionamento, depois de tantos fracassos, dê certo. Porém sabemos que se trata de uma obra de terror e o contrário no agenciamento das situações é o mais provável.


Noa se apaixona perdidamente por Steve, que é atraente e amigável, diferente de outros caras no qual a jovem saiu. Porém, surge aí uma questão interessante, porque por mais que a moça esteja vindo de uma série de relacionamentos frustrados, ela pelo menos conseguia entender rapidamente se os rapazes seriam boas companhias ou não. No caso de Steve, ela se encanta por uma ideia de amor ideal quando percebe que ele é diferente dos outros, mas é neste ponto que está a armadilha.


Fragilizada e emocionalmente envolvida, Noa é facilmente manipulada por Steve, que esconde uma faceta bizarra e um objetivo cruel para com a jovem. A reviravolta comum em filmes do gênero neste longa vem logo no segundo ato, já que a diretora é bem direta naquilo que deseja falar. Porém, Fresh, consegue seguir com um bom desenvolvimento diante de cenas carregadas de suspense com uma pitada de humor ácido.


A perspectiva cômica surge aí como uma espécie de variação de tonalidade junto do personagem de Steve, já que sua real personalidade é bizarra, chegando a ser quase caricata para como ele enxerga sua profissão e sua crueldade intrínseca. Acho até que a diretora se dedicou muito em mostrar a performance do versátil ator Sebastian Stan, uma vez que Cave, de certa forma, utiliza o carisma de Stan para gerar atração e repulsa no espectador, principalmente nas mulheres.


A mensagem do filme é clara, uma vez que Cave quer discutir como as relações amorosas da modernidade líquida muitas vezes deixam as pessoas mais expostos e frágeis ao querer um relacionamento mais profundo com alguém. assim ela discute o abuso de mulheres por homens através de uma abordagem estilizada, que desperta nossa atenção e que vai esmiuçando as particularidades presentes no thriller contemporâneo camada por camada até revelar o horror real da situação na qual Noa se encontra. Ninguém está isento de suspeição na narrativa. Porém a diretora opta por não revelar imagens gráficas da violência que as moças sofrem, vemos na grande maioria os resultados disso, corpos mutilados e fragilizados pela privação da liberdade.


Mas uma das grandes fragilidades do longa passa pela revelação dos segredos contidos na estória. O desenvolvimento dos eventos se engessa a partir disso e uma espécie de “vazio temático” vai contaminando a obra fortemente. Ao concluir o filme, há uma sensação de que faltou algo, de que perdemos alguma informação, ou que sequer ela foi colocada ali. Talvez poderíamos ter visto mais dos personagens, daquilo que os motiva de fato em suas vidas ou da relação estranha entre a protagonista e o vilão. Quando a alegoria da história já é claramente entendida, só vemos repetições que podem cansar, e talvez conduzir para uma resolução que soe genérica.


Mas essa é uma leitura que não se revela de todo ruim. Há pontos positivos,como por exemplo, optar pelo fato de as mulheres terem autonomia para se salvarem por conta própria. Elas não são “mocinhas em perigo”, um vício estrutural presente em muitos filmes de ação e suspense, por exemplo. O que está em jogo aqui é a revisão da figura masculina como único salvador da figura da mulher no cinema. o que faz bastante sentido em “Fresh” já que aqui os homens são uma representação da violência, da crueldade, da manipulação e da covardia na contemporaneidade. Neste ponto achei muito madura a posição da diretora, permanecendo com sua proposta de quebrar certas expectativas do público.


Então, analisando de forma geral, Fresh é uma obra que entrega aquilo que promete e que tem seus pontos positivos e negativos naquilo que se propõe diante da temática da violência, das relações cotidianas e das ilusões que condicionam o comportamento feminino a procurar sempre um parceiro. Esta é uma das buscas que podem literalmente machucar e lesar um indivíduo na sua existência material e subjetiva.


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