A diversidade é fruto da modernidade e das inúmeras possibilidades de olhar o outro e o eu, nem sempre um indivíduo é o aparente, há questões mais complexas que faz de cada ser um alguém cheio de personalidade, desejos, sonhos e identidade. Diante disto, temos Girl (2018), um filme belga, que aborda a transexualidade na adolescência de maneira simples e sem clichês.
Girl foi dirigido por Lukas Dhont, e se baseia na experiência de vida da bailarina transgênero Nora Monsecour, e para ela o filme revela uma dura realidade sem mentir nem esconder. No filme, Nora é representada na personagem Lara (Victor Polster), uma jovem de 15 anos, que tem o sonho de se tornar bailarina. Com isso, acompanhamos o processo de preparação de seu corpo para a cirurgia de redesignação sexual (CRS), ao mesmo tempo que treina para se tornar uma bailarina.
O filme possui uma abordagem naturalista, tratando da temática com delicadeza e originalidade. Acompanhamos a personagem em suas questões, pois apesar de ter uma família que lhe dá apoio, Lara carrega um desconforto com relação aos preconceitos de colegas e professores, e conflitos com sua aparência.
O longa levou o prêmio Fipresci Prize no Festival de Cannes, mas houve muitas críticas com relação a algumas de suas escolhas. Uma delas é sobre o casting, que decide por um ator cisgênero, interpretando a protagonista , ao invés de uma atriz trans. Outro conflito é sob sua direção, por ter um homem cisgênero na frente do longa. Porém, Victor Polster consegue ter uma boa performance como Lara, e o diretor consegue ter êxito naquilo que propõe ao filme.
O filme não tem apenas um tema que chama atenção, sua fotografia também é rica de detalhes, trazendo planos feitos em câmera na mão dando um toque documental a obra. A decupagem consegue exprimir na tela o olhar da protagonista, como ela se comporta e como ela reage aos preconceitos e obstáculos que a impede de realizar seu sonho.
Se pararmos para observar bem, Girl tem o corpo também como abordagem. O diretor engloba no filme muitas cenas de Lara se olhando no espelho, analisando sua aparência, e imaginando como seria seu corpo após a cirurgia. Os dilemas da personagem com relação a sua aparência atual, são profundos, mas conseguem causar impacto naqueles que têm pouco contato com o universo.
Porém, para o espectador que possui mais contato com as questões, e entendem de fato a sua dimensão, pode ter a sensação de que estamos diante de uma abordagem superficial. Isso pode acontecer pelo fato do diretor não se incluir dentro das experiências que o filme coloca, mas acredito que a direção conseguiu ir até seu limite, e obter um bom resultado.
Para o diretor Lukas Dhont e sua musa inspiradora, Nora Monsecour, o filme contém sim cenas que podem causar um choque no público, e se tratam de cenas honestas que permitem expor as experiências vividas pela adolescente. O diretor comenta que a intenção dele era desassociar os conflitos de personagens trans ou LGBT com conflitos externos, pois tudo isso já é conhecido através dos noticiários, e tentar se concentrar no universo da personagem, em diálogo consigo mesma, colocando-a como sua própria antagonista.
Há tantas obras cinematográficas que provam que um homem, pode construir uma personagem feminina de maneira profunda, como vemos nas filmografia de Ingmar Bergman e Pedro Almodóvar, pois o ser humano, principalmente os artistas, possuem sensibilidade, porém há camadas que um homem nunca irá entender integralmente diante da experiência corpórea. Um exemplo disso é o parto, algo que vem da própria vivência do corpo feminino.
Mas as temáticas estão aí, e nada impede de que artistas se sensibilizem, e sentam vontade de abordá-las em suas criações. Com isso, o filme Girl é fruto deste mundo moderno, cheio de complexidades, problemas sociais, intolerâncias, conflitos religiosos, conflitos familiares, problemas individuais e psicológicos, que partem de cada ser humano em sua forma de agir e se ver no mundo. Por isso, todo trabalho artístico que contribui para qualquer reflexão sobre o mundo em que vivemos, é de digno de atenção e possui seu valor.
Título original: Girl
Direção: Lukas Dhont
Duração: 105 min
Ano: 2018
País: Bélgica
Filme disponível na Netflix.
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