A liberdade é um tema bastante explorado no cinema e até hoje podemos entendê-la como fator crucial na vida de um ser humano. Ela está ligada diretamente à idéia de independência, porém esta última não é tão simples de se conquistar. Este é um dos temas abordados no filme Jovem mulher (2017) da diretora Léonor Serraille
No longa, acompanhamos Paula (Laetitia Dosch), uma jovem no início da fase adulta que foi repentinamente abandonada pelo namorado, um fotógrafo experiente e bem mais velho que ela. O momento é conturbado, a moça não tem onde ficar e nem dinheiro para se sustentar. Ela precisa reestruturar sua vida e iniciar sua emancipação.
Apesar das preocupações materiais, são os desgastes emocionais que lhe afetam mais, já que sua cabeça está confusa. A primeira cena do filme nos apresenta Paula completamente desorientada e com um ferimento na cabeça. Em uma consulta médica ela se afirma fracassada, fraca e pouco inteligente, porém é bem claro que ela realmente não é nada disso, estas características foram impostas a ela em sua antiga vida, a qual se apegou.
Acompanhamos a jovem moça em sua odisséia e somos cativados por ela. Paula tem uma personalidade forte apesar dela não reconhecer isso. Ela é muito criativa e tem em si um espírito livre e generoso. Todas estas qualidades são fatores importantes na sua jornada de autodescobrimento e reconstrução de seu ser através da independência.
O filme fala, portanto, de uma liberdade desapegada de romantismo. Aqui, a autonomia de Paula vem com muitos desafios. Ela tem uma árdua tarefa de ressignificar-se no mundo, em uma sociedade que é alheia aos problemas. Seu temperamento e jeito de lidar com as situações não facilita a boa convivência com outros, ela reage de maneira inesperada ao entorno, porém, é esse jeito singular que lhe ajuda a sobreviver.
Jovem mulher é o primeiro longa de Léonor, que demonstra ousadia tanto na narrativa, quanto na estética. Ela opta por usar a câmera nervosa para enfatizar o momento conturbado na vida de sua protagonista, que também possui um comportamento agressivo oriundo de um relacionamento abusivo que durou dez anos.
A diretora propõe episódios truncados em uma linha de tempo linear, mas que permite perceber quão caótico é a vida da jovem. Aparentemente a moça não tem um rumo específico, nem ambições ou grandes objetivos. Ela apenas está tentando se manter e superar as feridas que carrega.
A narrativa se sustenta através das experiências inacabadas que Paula se submete na tentativa de encontrar-se. Ela procura emprego e um lugar para ficar, até que consegue dois trabalhos, um em uma loja de lingerie e outro como babá junto de um quarto para dormir. Por mais que pequenas conquistas aconteçam, a instabilidade ainda a persegue e são estes percalços que movimentam a história.
As pessoas que ela encontra no caminho e as suas pequenas decisões fazem diferença em sua trajetória. Muitas destas interações são passageiras e momentâneas, outras conseguem ser mais consistentes. Uma delas é sua amizade com a menina que fica sob seus cuidados. E na dinâmica cotidiana que ela estabelece com essa criança, ela proporciona à garotinha experiências mais livres, diferente das que a mãe lhe concede. Porém esta liberdade é retraída rapidamente pela sua empregadora.
É bastante perceptível o amadurecimento de Paula ao longo da narrativa. Ela consegue um novo amigo no emprego de vendedora, tenta uma reconciliação com a mãe e percebe-se de forma diferente, com novos sonhos e perspectivas futuras. E mesmo com seu ex-namorado pedindo uma reconciliação, ela opta por não voltar a sua antiga vida, pois entende que, agora, ela já conquistou algo muito mais sólido: sua independência.
Assim como o antigo ferimento na sua testa cicatriza, as chagas de uma relação tóxica aos poucos também saram. E mesmo sem grandes certezas, ela segue determinada a recomeçar da forma que lhe convém, pois assim como ela, muitas mulheres também se percebem no processo de reconstrução de suas independências. E é por carregar esta potência quase oculta, que Jovem Mulher pode ser considerada uma das obras mais fascinantes e distintas na nossa cinematografia mundial contemporânea.
Título original: Jeune Femme
Ano: 2017
Diretora: Léonor Serraille
País: França
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