MANAS | UMA REALIDADE COMPLEXA E DIFÍCIL DE ENCARAR
- raianecfferreira
- 14 de set.
- 2 min de leitura

Título: Manas | Diretora: Marianna Brennand | Duração: 1h 41m | País: Brasil
Manas é um filme que pulsa como ferida aberta. Uma narrativa que não apenas retrata, mas denuncia — e que o faz com a coragem de olhar para uma realidade que insiste em permanecer à margem: a exploração sexual de meninas na Ilha de Marajó, no Pará. Uma violência antiga, já exposta pela mídia desde 2006, mas que permanece encoberta, sobretudo quando acontece onde deveria existir proteção: dentro do próprio lar.
Nesse contexto, acompanhamos Marcielle, uma menina de 13 anos que vive com os pais e três irmãos mais novos. Ela cresce sob a sombra da lembrança da irmã mais velha, Cláudia, que deixou a ilha após se casar com um “homem bom”, conquistando melhores condições de vida. À medida que Marcielle amadurece, também nutre o desejo de partir dali, especialmente depois de vivenciar episódios abusivos. Sem apoio e acuada, acaba entrando em um caminho tortuoso, submetendo-se ao esquema ilegal que governa sua comunidade.
A câmera, conduzida com firmeza e delicadeza, não se detém no espetáculo da violência. Sugere, insinua, deixa que o espectador complete com sua própria compreensão. Ao sugerir, mais do que exibir, o filme encontra um tom de equilíbrio e empatia, sem suavizar a gravidade dos fatos. Esse gesto é também político: ao não transformar a brutalidade em imagem explícita, a diretora devolve dignidade às personagens e recusa a trazer uma perspectiva voyeurista do sofrimento das garotas.

Marcielle representa apenas um elo em uma longa corrente de violência que atravessa gerações. Sua trajetória expõe a complexidade de um contexto em que mulheres e meninas são silenciadas por falta de opções. A solução que se apresenta é quase sempre a mesma: casar-se com um “bom homem” para escapar do ambiente abusivo da família. Mas será que esse “homem bom” realmente existe?
A resposta é dura, mas necessária: não haverá salvação vinda de fora. A libertação dessas mulheres não brota da figura masculina, mas da própria força coletiva feminina. E é justamente por isso que a morte do patriarca não é apenas um evento narrativo — é metáfora maior, é símbolo do fim de uma ordem: a morte do patriarcado, do machismo, da masculinidade tóxica. É nessa ruptura que se abre a possibilidade de infância, de escolha, de futuro.
Manas é, antes de tudo, o retrato de um Brasil raramente visto. Um Brasil que não pertence apenas ao passado, mas que resiste no presente — nas periferias, nas comunidades invisibilizadas, nos lares onde a precariedade e a dependência moldam a vida das mulheres e tornam as crianças mais expostas à violência.
Manas é o retrato de um Brasil invisibilizado, um Brasil de ontem e de hoje. Uma violência que atinge sobretudo as classes populares, não apenas na Ilha de Marajó, mas em qualquer comunidade marcada pela precariedade, pela dependência das mulheres em relação aos maridos e pela vulnerabilidade das crianças diante do abuso sexual. Não podemos deixar que histórias como a de Manas sejam esquecidas. Elas revelam raízes profundas nos problemas sociais, culturais, políticos e de gênero que ainda estruturam o nosso país. Manas é um chamado: a lembrar, a encarar, a romper.
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