O que nos aterroriza todos os dias? O medo faz parte da vida humana desde o início da humanidade o medo, a ansiedade funcionavam como auxílio na sua sobrevivência. Porém, com os avanços tecnológicos e industriais, o ser humano moderno os mecanismos de sobrevivência mudaram, porém, a ansiedade, o medo e outros gatilhos do cérebro ainda se faz presente em uma outra dimensão.
O que apavora hoje é algo mais profundo, muitas vezes este medo está na mente, em como entendemos a realidade. Com isso, o filme Midsommar (2019) do diretor e roteirista Ari Aster foi escolhido para discutir que mal permeia a vida humana na atualidade, e como o filme discute os relacionamentos tóxicos e as diferenças culturais.
Midsommar tem como protagonista Dani (Florence Pugh), uma jovem estudante de psicologia que mora longe da família. As tentativas frustradas de se comunicar com os pais ou com a irmã deixa a moça ansiosa, até que ela descobre que os três estão mortos. Ao perder sua família, Dani procura amparo em seu Namorado, Christian (Jack Reynor), que seria a única pessoa mais próxima dela que poderia lhe dar conforto, porém as atitudes do rapaz dizem o contrário.
A temática sobre relacionamento abusivo é clara logo no início do filme, uma das atitudes mais clara de que a protagonista vive um relacionamento tóxico, é a necessidade de pedir desculpas ao namorado, sendo que a única coisa que ela deseja é a atenção dele. Nisso o filme é bem claro, mesmo quem nunca teve uma relação como essa entenderá que o rapaz não é alguém que ela possa se apoiar emocionalmente.
Christian e seus amigos, Josh (William Jackson Harper) e Mark (Will Poulter) foram convidados por Pelle (Vilhelm Blomgren), outro estudante, para viajar até a Suécia e passar nove dias na comunidade de Hälsingland, para participar do ritual de Solstício de Verão. Dani fica sabendo da viagem de pesquisa e opta por ir com eles para ocupar a mente e, quem sabe, superar a morte da sua família.
O filme é um folk horror bem minucioso, e seus elementos plásticos o caracterizam não deixam dúvidas de seu gênero. Porém, Ari Aster trás um terror mais sofisticado, com uma construção sensorial e dramática mais elaborada, que ativam os sentidos e a memória do espectador. Junto disso, há uma decupagem com leves movimentos de câmeras, imagens de cabeça para baixo, fotografia com uma leve distorção com pouca profundidade de campo em momentos pontuais, e escolhas estéticas que ajudam a dar uma sensação de estranheza.
A escolha da trilha sonora também está em conjunto com a proposta, já que instrumentos musicais típicos da Suécia, como a Gaita de fole, são usados na trilha. Também é usado a música cantada em vozes à capela em uma sonoridade harmônica e exótica. O relação ao designer de produção é rico em detalhes, agregando alguns simbolismos, usando gravuras, pinturas e desenhos para compor imageticamente o filme, sendo importantíssimos na narrativa por antecipar ações que aconteceram ao decorrer do filme.
Outra temática que Midsommar toca é sobre as diferenças culturais, e no filme o que caracteriza aquela comunidade são seus rituais. As crenças das pessoas que moram no vilarejo são ligadas ao sentido de comunidade e ligação com a natureza, ali todos fazem parte de uma família, como Pelle coloca para Dani em uma de suas conversas.
O ritual mais bizarro é chamado no filme de Attestupa. Na cena, os dois anciões são levados a uma montanha e lá de cima eles se jogam pondo o fim nas suas vidas. O ritual choca o grupo de Dani, ela mesma também não reagem bem ao ocorrido, Siv (Gunnel Fred), uma das mulheres da comunidade tenta explicar que aquilo é uma de suas tradições e que se trata de um ritual ligado ao ciclo da vida, sendo a libitina uma parte deste ciclo.
Com isso, dá para entender que a morte é vista como algo natural, e que seus rituais não são ruins, só diferentes. O diretor não os define como vilões, mais sim como pessoas que possuem uma forma distinta de viver. De acordo com o Ari Aster "Os americanos também têm os seus rituais, mas são muito soltos e superficiais. E esta comunidade tem um grande sentido do coletivo e de apoio mútuo."
Outra característica interessante deste, e de outros filmes do diretor, é a escolha pelo protagonismo feminino. Em Midsommar é interessante notar que as ações que movimentam a narrativa são acionadas pelas mulheres, isso acontece de forma sutil e significativa. Os homens aparecem na estória muitas vezes são anfitriões, esclarecem, escutam, mas são apenas coadjuvantes diante do movimento das mulheres.
Circulada por uma nova forma de ver o mundo, Dani começa a ser integrada na comunidade, diferente dos outros membros do grupo, que começam a desaparecer "misteriosamente" por não respeitarem as regras do ambiente. Com isso, o foco se volta ao casal, a protagonista é induzida a participar da competição da Rainha de Maio, e Christian é seduzido por um feitiço de procriação, já que Maja (Isabelle Grill), filha de Siv, o escolheu como seu provedor.
Aster constrói uma narrativa potente diante da personagem e de seu sofrimento interno. Porém, Ela precisa se libertar, e é com a ajuda das mulheres do vilarejo que ela iniciar sua mudança. Ao ver a traição de Christian, Dani é incentivada pelas mulheres a expor seu sentimento, tudo que ela faz, ou sente, as outras mulheres fazem e sentem também, isso acontece como forma de demonstrar compaixão e apoio ao sofrimento de Dani, já que muitas mulheres também vivem o mesmo sofrimento.
'Midsommar: O Mal Não Espera a Noite', traz uma outra concepção sobre o mal, pois talvez ele seja fruto das pequenas violências e terrores que afetam o ser humano diariamente, tornando doente a sociedade por não saber lidar com eles. A morte, o abuso, a solidão, o desamparo, a depressão, o suicídio, são alguns males que afetam todas as classes e culturas, o que muda é a forma de superar seu trauma.
O longa se trata da jornada de Dani para superar seus traumas, e se libertar do que lhe puxa para baixo. Então, ela desperta para uma nova relação familiar, sendo o começo de sua nova vida, e cabe ao espectador decidir se isso é bom para ela ou não, se há mesmo um final feliz para Dani. Com isso, Midsommar é extremamente belo, em sua temática e em sua forma, pois muitas vezes é preciso deixar algo morrer, para que haja vida em outro lugar.
Título: Midsommar
Diretor: Ari Aster
Ano: 2019
País: EUA / Suécia / Hungria
Duração: 2h18m
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