top of page
Buscar

"My Happy Family". Entre o indivíduo e a família.

  • Foto do escritor: raianecfferreira
    raianecfferreira
  • 16 de jan. de 2019
  • 4 min de leitura

Atualizado: 4 de fev. de 2019



A Família é uma instituição que rodeiam as formas de organização social, é a primeira base das relações humanas e é dentro dela que cada indivíduo tem um primeiro contato com o mundo. Os conflitos familiares são um prato cheio para a indústria audiovisual, que usa desta fonte para o desenvolvimento de novelas, filmes, reality shows, etc. Diante deste tema, Nana Ekvtimishvili e Simon Groß trazem no filme My Happy Family, a ideia de família e indivíduo em uma nova ordem de relação.


My Happy Family é um filme original da Netflix que teve estreia no Sundance Film Festival em que levou os prêmios: TIFF Awards para melhor interpretação e Transilvania Trophy. O filme se passa na Geórgia e narra a história de Manana (Ia Shugliashvili), uma professora que mora com os pais, seu marido Soso (Merab Ninidze), os dois filhos Nino (Tsisia Qumsishvili) e Otar (Goven Cheishvili) e o genro em um apartamento pequeno. Após completar 52 anos, Manana decide morar sozinha, e é aí que o conflito começa, ela não é bem compreendida pelos familiares.


Temos na primeira cena Manana olhando um apartamento, mas ainda não entendemos muito bem o que ela quer e quem ela é. Os diretores mostram logo no início do filme a confusa rotina da protagonista. A câmera acompanha a dinâmica da família de Manana dentro de um ambiente apertado, bagunçado, e com ruídos constantes, para enfatizar o quão caótico é o ambiente em que Manana vive. Então, aos poucos compreendemos os motivos que ela tem para procurar um apartamento.


Por mais que Manana já esteja se programando para morar só, é depois de uma conversa com uma de suas alunas que a faz tomar uma decisão. Ao concluir sua aula, ela chama uma aluna que havia faltado muitas aulas para conversar, a menina conta que havia se divorciado. Parece um diálogo sem importância, porém é neste momento que a Manana toma consciência do peso de sua decisão, pois sabe que será algo sem volta.



A cena da saída de Manana é significativa. O espectador pega a ação acontecendo; Manana juntando suas coisas, e todos reunidos na sala horrorizados, tentando entender os motivos de tal atitude. A câmera passeia pelo ambiente mostrando as reações de cada um ali. A matriarca diz magoada com a filha por "abandonar" a família. Manana se nega em dizer o motivo da decisão, apenas anuncia que que não quer mais morar naquele ambiente, que alugou um apartamento para ela, e que os filhos já são adultos. Esta justificativa não é bem aceita, ou sequer respeitada.


De início a protagonista parece fria e indiferente, não aceita a festa de aniversário que sua mãe e seu marido planejaram, sempre quieta e distante. Porém, a cuidadosa forma como os diretores colocam sua solidão e falta de autoridade no lar, estabelece claramente a relação problemática entre ela e uma estrutura familiar disfuncional.

O comportamento da personagem muda quando ela sai de casa. Sua rotina muda, ela passa a se cuidar mais, escutar música clássica, tocar violão, cuida das plantas, etc. Essa mudança característica também afeta a forma do filme. O tempo parece se alongar em planos longos, com poucos movimentos, de câmera, o que enfatiza a tranquilidade da personagem diante de ações simples e rotineiras.


Manana começa a se mostrar mais livre e espontânea, e se permite sair e se divertir, mas o que era para ser uma descontração acabou não sendo. Em uma festa em que revê velhos conhecidos e amigos, é revelado a ela que se marido, Soso, teve um caso com outra mulher tendo um filho desta relação. É um fato que todos já tinham conhecimento, menos Manana. É neste momento que percebemos o quanto My Happy Family é uma obra singular, pois escolhe mostrar os sentimentos da personagem sem que nada seja dito, mas cantado. Um ex professor de violão insistentemente pede para Manana cantar algo, e ela aceita. Então o que temos a seguir é uma das mais belas passagens do filme, pois é naquele momento em que ela toca violão e canta, que o espectador entende claramente sua tristeza pela traição.



Por mais que Manana seja uma mulher de certa idade, suas escolhas não são bem respeitadas. Diante da decisão de morar só, ela é julgada por toda família, enquanto o seu marido é visto como vítima. Talvez se fosse a figura de um homem na posição de Manana, tudo teria ocorrido diferente. É através destes detalhes que filme revela a ausência de autoridade da mulher em uma sociedade patriarcal. Todos comentam, apontam, subjugam, exploram Manana, ao passo que é quase inexistente encontrar uma cena em que ela parece dominar a situação.


Assim como a vida, o filme possui um final aberto acabando no auge de tensão entre Soso e Manana. Não sabemos o que de fato acontece, se eles se conciliam ou não, porém essa inconclusão deixa o espectador com vontade de acompanhar mais o percurso dos personagens, suas escolhas e conquistas. E de certo modo eles fazem parte de nossa vida, pois a estrutura familiar brasileira não se difere tanto da que vemos em My happy family. Nana Ekvtimishvili e Simon Groß criam um filme singelo e vivo que traz todas as complexidades da sociedade, da estrutura familiar, do feminino, das suas escolhas e desafios. De certa forma, ao assistí-lo, o espectador leva um pouco dessa experiência para a vida.


Ficha técnica

Título original: Chemi Bednieri Ojakhi

Diretor: Nana Ekvtimishvili, Simon Groß

Duração: 2h

Ano: 2017

Assista ao filme na Netflix.



 
 
 

Comments


bottom of page