Escuridão e silêncio, foi assim que a mulher viveu por séculos no domínio social e cultural masculino. Nesta condição, coube às mulheres se adequarem a um imaginário que não as pertenciam. E assim viveram durante muitos anos sob a bruma de um período onde seus desejos e quereres se encontravam apartados do contexto em que estavam inseridas. Este é um dos temas abordados por Marguerite Duras no filme Nathalie Granger (1972).
Marguerite Duras é uma das mais importantes diretoras do mundo, ela já trabalhava no cinema antes do movimento feminista criar visibilidade, fez parte do movimento da Nouvelle vague francesa, e começou a fazer seus próprios filmes por volta de 1960. Em Nathalie Granger, Duras faz, de forma explícita, uma análise crítica da opressão feminina. A diretora traz em seu filme um tipo de política feminista, sendo esta mais desenvolvida nos anos 1970. Uma dessas teorias aborda a política do silêncio como uma estratégia feminina para se contrapor ao impacto masculino.
Nathalie Granger se trata basicamente de uma tarde na casa da família Granger diante de uma decisão a ser tomada. No início do filme uma funcionária da escola revela que Nathalie é uma menina muito violenta para a idade dela, e aconselha Isabelle Granger, mãe de Nathalie, a trocá-la de escola. Então o filme se concentra no dia de Isabelle, e de sua relação com a filha.
O longa assume uma posição contra uma narrativa e estrutura convencional. Mistura passado e presente, e mescla memória com fantasia. Ele possui um novo tipo de consciência que não pode ser controlada pelas relações de causa e efeito, e é preciso, por parte do espectador, desligar-se dos métodos convencionais para mergulhar nesta obra prima de Marguerite Duras. Os acontecimentos não estão definidos por motivações, e o filme não procura responder questões básicas como; "Quem é ela?" "O que isso quer dizer?" "Por que fazem isso?"
A narrativa se desenvolve, em sua maioria, nos compartimentos da casa, e lá dentro perdemos um pouco a noção de tempo através de planos longos. O filme se assemelha um pouco aos filmes mudos, tendo muitos momentos de silêncio tanto por parte das personagens quanto por sua forma silenciosa, desconstruindo ruídos simples como passos e manuseio de objetos. Isso é significativo quando trazemos a política do silêncio, pois dentro da casa as mulheres criaram um ambiente próprio, um espaço e um tempo diferente do externo, onde o tempo parece ter parado.
Os primeiros planos do filme mostram o ambiente da casa, e junto uma voz masculina, de um noticiário, relatando o assassinato de duas meninas no bosque próximo a casa dos Grangers. A suspeita é de que o crime tenha sido executado por um rapaz bem jovem. Esta voz aparece em outros momentos do filme, o que contradiz com as imagens silenciosas da casa. Diante disso, podemos perceber a semelhança do comportamento de Nathalie ao mundo externo, violento e dominado pelos homens, como se a garota estivesse ligada a este mundo masculino, opressor ao feminino. E de certa forma Isabelle sabe que precisa trazer a filha para dentro da casa, e a música parece ser esta ligação.
A música vem em notas simples de exercícios banais de piano, ela parece ser a única forma de expressão e conexão da menina com o mundo que ela desistiu, ao que a fez rebelar-se contra o lugar que os simbolismos masculinos a colocou. Em um olhar minucioso, percebemos que a música da lição de piano toca quando Isabelle lembra de Nathalie, isso é algo que as liga como mulheres no espaço onde se encontram.
A polaridade entre o mundo masculino e feminino é clara no filme, sendo o espaço da casa referente ao universo feminino; e o mundo externo, violento e retratado nos noticiários, masculino. Isso fica mais claro no filme com a aparição da figura do vendedor. Isabelle e sua amiga se encontram silenciosamente na sala, e percebem que alguém entra no ambiente, e este é um vendedor. Ele tenta convencê-las a comprar seu produto, mas há uma divergência entre ele e as duas, o discurso assertivo do mundo masculino parece não fazer sentido aos valores que as mulheres encarnam. Enquanto ele continua seu monólogo, as duas permanecem em silêncio, e este gesto desestabiliza o vendedor. Mesmo que elas digam "não", ele ainda persiste por um longo tempo, até entender que não conseguirá nada ali.
A grande questão do filme é se esse feminino pode ou não usar positivamente seu conhecimento natural diante da opressão masculina, sendo assim, escolhem o silêncio como linguagem de resistência. E a harmonia que vemos entre as mulheres no filme reflete uma unidade existente pela posição oprimida que a cultura patriarcal a coloca. O filme mostra a resistência feminina através da forma fílmica, e não exita em criar uma maneira própria de narrar que pareça mais familiar às mulheres.
O resultado disso é um filme instigante e cheio de camadas que traz uma perspectiva maior sobre as questões femininas e a maneira como as mulheres podem se expressar, mesmo que se encontre em um lugar simbólico que não as define. E nisso, podemos dizer que Duras é uma cineasta inventiva e como mulher conseguiu um lugar próprio de expressão.
Título: Nathalie Granger
Direção: Marguerite Duras
País: França
Ano: 1972
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