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O ACONTECIMENTO | O DASAFIADOR MUNDO DA MULHER


Título original: L'événement | Direção: Audrey Diwan | Gênero: Drama | Ano: 2021

País: França


Cada indivíduo está sujeito às diretrizes de convivência e comportamento diante das construções sociais. Assim que nascemos, já existe uma base bem formulada do que devemos ou não fazer, principalmente quando consideramos o sexo. Para estudiosos do gênero, como Judith Butler, o feminino e o masculino são não mais que uma construção social. E é interessante ver questões como estas através da arte.


É pensando nestes temas que hoje falaremos um pouco do filme O Acontecimento (2021). Dirigido por Audrey Diwan, que assina também o roteiro junto de Marcia Romano, o filme propõe um olhar feminino perante a temáticas relacionadas às mulheres, como a maternidade ou o não desejo vinculado a esse papel.

O Acontecimento pode ser considerado um filme de personagem, pois a maior parte acompanhamos a protagonista Annie (Anamaria Vartolomei), uma jovem estudante de literatura na França, cujo desejo é o de ter uma carreira universitária, mas que ao descobrir uma gravidês, inicia uma batalha física, mental e emocional para conseguir acesso ao procedimento do aborto.


Annie é filha de pequenos empreendedores e sonha com uma vida diferente dos seus responsáveis. O problema é que a gravidês representa esse elemento prejudicial dos seus planos, principalmente quando ser mãe não é uma opção para ela. Desorientada e precisando de toda ajuda possível, a garota vai entrando cada vez mais em um mundo solitário e excludente, onde seu sofrimento perdura por um longo período de tempo.


Tendo em vista que o longa-metragem se passa em 1960, o filme inclui os indícios de uma sociedade que impõe regras de condutas as meninas, e neste caso, a possibilidade de um aborto, além de ilegal, é retratado como uma prática totalmente imoral. Não é a toa que Annie entra em um grande dilema difícil de solucionar em função desses indícios históricos daquele período.

Considerando a carga e a construção estética da obra, notamos uma câmera sempre em proximidade com a protagonista. E é através dessa aproximação que vivemos juntos o solitário sofrimento de Anne. A garota sabe o que quer e tenta de todas as formas que conhece para não levar a gravidês adiante.


Esta decisão e este temor parte de uma rígida estrutura patriarcal onde uma mulher grávida não consegue ser mais do que ser mãe, dona de casa e servil a um homem. Esses são traços de vida desconsiderados como objetivo na trajetória da jovem. Ela se vê tendo de tomar decisões extremas e coloca o próprio corpo em risco. A corporeidade, enquanto matéria, é posta à prova e esse tempo é experimentado por nós, do outro lado da tela, na sua totalidade, seja devido à espera, seja por testemunharmos o flagelo dos procedimentos aos quais a garota se submete. Para a protagonista, no entanto, nada é pior do que ver seu futuro tomar um rumo diferente do que havia planejado.


E, ao ir por um caminho absolutamente hostil, ela recebe em troca a rispidez e o abandono de muitos ao seu redor. Porém, nós que a assistimos nunca a deixamos só. Por maior que seja o esforço de esconder os indícios da gravidês, e seu temor interno, para o espectador tudo está claro, todos os detalhes mostrados pela câmera, o suor, a palidez da pele, os olhos nervosos, tudo isso indicam o estado da protagonista. Nesse ponto, o próprio tempo se torna, para Anne, seu grande inimigo, um oponente obstinado a vencê-la de toda forma.


Temos aqui a jornada da sua heroína em primeiro plano, um traço forte e marcante do cinema de mulheres. O feminino é o objetivo de estudo máximo da narrativa e este é desprendido de qualquer representação superficial. E neste filme, a profundidade de todas essas questões assumem traços semelhantes a outros importantes trabalhos como Retrato de Uma Jovem em Chamas (2019) e Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre (2020). A mulher é a mola motriz dos eventos ocorridos em cena.


A obra fala sobre aborto, mas não pretende esgotar toda a discussão sobre o assunto. O foco aqui parece apenas mostrar a dor e o sofrimento de uma jovem diante de uma problemática carregada de tabu social. E deve-se considerar todas as complicações desta temática, assim como a própria decisão da intervenção no corpo da mulher, algo que não diz respeito a ninguém além dela mesma. Todo risco assumido dentro da questão do aborto também precisam considerar essa prerrogativa.


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