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"O Conto". O Confronto entre o indivíduo e memória.


O ser humano é uma das criaturas mais complexas que existe, isso vem da sua capacidade mental e intelectual que difere dos outros seres vivos da Terra. E é por isso que a indústria cinematográfica explora os mistérios da mente humana para a criação de histórias cada vez mais interessantes. A mente pode, muitas vezes, possuir informações distorcidas sobre as memórias de cada pessoa, e é isso que Jennifer Fox explora em seu novo trabalho "O Conto" (2018).


O longa é uma produção da HBO e teve sua estreia no festival Sundance de 2018. Trata-se de um filme autobiográfico em que Jennifer Fox, diretora e roteirista, expõe de maneira ficcional, um trauma de infância que ela sofreu aos 13 anos, mas que só tomou consciência da gravidade do ato aos seus 50 anos. Como artista, a cineasta usou este fato de sua vida para criar um filme que ressignificasse o evento traumático com como qual ela precisou conviver desde então.


No filme, a diretora Jennifer Fox é interpretada por Laura Dern, uma documentarista bem sucedida de quase 50 anos, e que mantém um relacionamento estável com Martin (Common). O filme tem início quando Jennifer é questionada pela sua mãe (Ellen Burstyn), a respeito de um conto escrito por ela aos 13 anos. Nele há um relato sobre seu envolvimento com seu treinador de corrida, Bill (Jason Ritter), o que deixa a mãe preocupada.


Quando pequena, Jenny (Isabelle Nélisse) passava as férias na fazenda de Jane Gramercy, ou Sra. G (Elizabeth Debicki), sua treinadora de hipismo, lá ela se refugiava dos problemas familiares e desenvolve sua personalidade. Nessa fazenda foi que a menina conheceu seu treinador de corrida. Jenny via Mrs. G com admiração, uma mulher inspiradora em quem confiava. Entre elas, estava Bill, que era amante de "G", já que a mulher era casada.

A adulta Jennifer se posiciona como independente e livre, para ela a relação com o treinador não passou de um despertar de sua sexualidade, em plenos anos 1970. Através de flashbacks, o filme desenvolve na tela uma estranha relação de carinho e confiança entre os três, e gradualmente somos levados às reais intenções de ambos para com Jenny.


Ao perceber que há distorções em suas lembranças, a protagonista é levada a confrontar as sombras do seu passado para entender quem realmente ela é. A personagem se coloca como objeto de pesquisa. O longa se apodera desta linguagem e leva o espectador a uma visita pelas lembranças da personagem, com isso, a diretora traz características do documentário para o filme. Vemos em alguns pontos a quebra da quarta parede, tendo Jennifer entrevistando as figuras do seu passado, entre elas, sua professora de equitação, o treinador e ela mesma aos 13 anos.


Outra característica narrativa interessante vem da montagem, onde a diretora usa o artifício da memória como gatilho estético narrativo, e brinca com o real e o irreal. Este traço da direção é perceptível logo no início do filme. Nele, Jennifer conta do seu primeiro dia na fazenda da Sra. G, e de como ela se via com um corpo mais desenvolvido, andando a cavalo e interagindo com o ambiente. Porém, quando sua mãe mostra uma foto da filha aos 13 anos, percebe-se que ela não era como se imaginava. A cena da fazenda é retomada em um novo contexto, agora temos uma Jenny mais inocente e pequena.


Não é qualquer pessoa que consegue assistir um filme sobre abuso sexual infantil. Por ser um tema delicado, a obra pode causar desconforto no espectador. Porém, Fox consegue chamar a atenção daqueles que entram em contato com essa narrativa com maestria. O filme se mantém fiel a sua proposta, e o abuso sexual só é descoberto quando Jennifer toma consciência de que foi abusada por pessoas próximas a ela. O que para Jennifer significava uma atenção estimulante, em que se sentia única e amada, se tornou uma experiência dolorosa de violação e manipulação. Isso torna o filme muito mais carregado.


Com isso, no terceiro ato da obra, Jennifer, já adulta, entra em conflito com sua versão mais nova. Jenny revela que a substituição da história real por uma fictícia foi com boa intenção, um mecanismo de defesa para superar algo tão doloroso para uma criança. Além do abuso, Jenny se decepcionou com parte de pessoas em que ela confiava, e lidar com isso pareceu mais doloroso, o que a levou a manter uma visão romântica de seus tutores.


É com base em todas estas características que O Conto é um filme importante, não só pelo tema que traz para discussão, mas pela sua forma fílmica. Quem for assisti-lo, terá na tela um longa que carrega uma carga dramática equilibrada, possui uma estética própria, e envolve o espectador levando-o a descobrir, junto da protagonista, os traumas e dores que sua mente havia escondido. Filme complexo, forte, direto, e além de tudo, corajoso.


Título: The Tale

Direção: Jennifer Fox

Ano: 2018

Duração: 1h54min

País: Bulgaria

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