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"O Estranho em mim". A estranha relação mãe-bebê

Atualizado: 19 de ago. de 2021



As temáticas femininas não são muito abordadas no cinema, na maioria das vezes, o melodrama e a comédia, gêneros ditos "femininos", colocam a mulher em posição de mãe e esposa, uma pessoa que faz tudo pela família e que ainda consegue ser forte e linda ao mesmo tempo. Porém, a realidade feminina não é tão plana assim. É neste cenário que surge o filme O Estranho em mim da diretora alemã, Emily Atef, que aborda o feminino de maneira profunda trazendo a maternidade na perspectiva de uma mulher que sofre de depressão pós-parto.


No início do filme a protagonista Rebecca (Susanne Wolff), na faixa de 30 anos, está grávida, e vive com seu marido Julian (Johann von Bülow), os dois parecem ter um casamento feliz e aparentam estar animados para a chegada do primeiro filho. Acompanha-se em poucas o casal, e logo nas primeiras cenas Rebecca entra em trabalho de parto. A sequência do nascimento mostra as dores que a mulher passa até conseguir parir, mas não chega as ser uma exaustiva. Ao contrário das cenas clássicas em que a mãe recebe amorosamente seu filho, Rebecca reage de outra maneira, quando o recém nascido é colocado sobre sua barriga, ela fica sem reação ao ver aquele ser "estranho" chorando.


O filme tem como tema a depressão pós-parto mas está longe de ser um filme didático, o espectador apenas acompanha a jornada de Rebecca, a dificuldade de obter uma boa relação com seu filho, o desenvolvimento da doença, e o tratamento. A partir da chegada da criança, o encantamento pela maternidade começa a sumir, ela não consegue receber seu bebê com o carinho que a sociedade espera de toda mãe. Por Rebeca estar com o estado mental abalado, ela recebe seu filho com sentimento de indiferença, estranheza e distanciamento.


Rebeca possui dificuldades ao fazer pequenas coisas como amamentar ou trocar a fralda, e parece não se encaixar nas obrigações maternas, e mesmo quando sua mãe, através de uma conversa pelo computador, diz que os primeiros dias não são fáceis, percebemos que Rebeca possui uma certa negação e cansaço aparente, mudando sua postura até com seu marido. Na maioria das cenas a personagem se mostra sozinha em seu mundo silencioso, e é nítida a ausência sensível por parte de Julian, que não consegue perceber o problema da esposa, e a reprovação da família do marido vendo ela como ameaça ao bebê.


A dor da personagem é mostrada através da imagem que enfatizam seus movimentos fracos, seu olhar distante, de sua expressão cansada, e ações fora do comum. No início do longa, a diretora escolhe fragmentar a narrativa, e intercala as cenas lineares com imagens de algo que ainda vai acontecer, dando ênfase o estado da doença de Rebecca, e indica o ponto mutável da trajetória da personagem. Em uma cena do filme, Rebecca esquece seu filho na rua e só lembra dentro do ônibus. Desesperadamente volta ao local, e pega o bebê, porém ela precisa esperar a polícia chegar para se conferir se é realmente a mãe da criança, o que para qualquer mãe seria desconfortável, porém Rebecca age com naturalidade e consegue mostrar os documentos da criança. Logo em seguida, Rebecca dá banho em seu filho, e cogita a possibilidade de largá-lo na banheira. Temos aí uma revelação, se vendo como ameaça para seu filho, e como ato de amor, Rebecca resolve se distanciar, se refugia na floresta e passa o resto da noite no alento da natureza. Porém, alguns garotos caminhando por alí e a encontram quase morta, então ela é socorrida.


A depressão é revelada. Lukas, seu filho recém-nascido, fica sob os cuidados do pai e da tia, enquanto ela começa seu tratamento. Nas cenas da terapia, temos mais claro como ela se via. A vergonha e repulsa de Rebecca diante da presença de seu marido, faz com que Julian se culpe e conclua que ela não o ama mais, e por não saber lidar com a situação, ele se distancia, se dedicando a cuidar do filho. Rebecca saí da clínica, mas continua fazendo terapia e também frequenta um centro de auxílio para mães com depressão, lá, uma auxiliar ajuda Rebecca a se sentir segura para cuidar do filho. Ela tem avanços, e mesmo assim, ainda há um receio do seu marido e de sua família, por deixá-la voltar a cuidar do bebê.


A maternidade é algo desafiador, nem fácil, não se nasce mãe, torna-se mãe. A sociedade cobra muito das mulheres para se dedicar ao filho e ser uma mãe amorosa e carinhosa, porém, nem todas mulheres conseguem se adaptar a este padrão, ou a maternidade. O psicanalista inglês Winnicott menciona em sua obra "Os bebês e suas mães" que logo após o nascimento, a mãe e seu bebê formam uma nova entidade composta por mãe-bebê, pois a mãe se vincula a ele pelo estado de dependência gerando um estado emocional na mãe que ele chamou de “preocupação materno primária". Porém se não existir nenhuma identificação dela para com seu filho, o bebê será vivenciado como sendo um algo estranho.


O estranho em mim é um belíssimo filme, apesar da temática e das cenas melancólicas, vemos a superação da personagem e a reestruturação de sua família através do reconhecimento dela e de seu marido, pois este dá o voto de confiança que ela precisava para voltar a sua vida, e a sua casa mais confiante curada da depressão. Não é um filme fácil justamente pela temática que ainda é vista de maneira turbulenta na sociedade, mas que é importante ser debatido e compreendido diante da posição da mulher na sociedade não só como como mãe e esposa, mas como indivíduo e como mulher.


Ficha técnica

Título original: Das fremde in mir

Diretor: Emily Atef

Duração: 99 minutos

Ano: 2008

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