O ROMANCE NO CINEMA DE CELINE SONG
- raianecfferreira
- 1 de set
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No ano 2024 o filme "Past Lives", estreia de Celine Song na direção, foi indicado para Melhor Filme e Melhor Roteiro Original no 96º Oscar. A partir daí o trabalho da diretora começou a ter grande visibildade pelo público e pela crítica, no qual ressaltou a originalidade do roteiro e a direção leve e delicada da realizadora.
Seu primeiro longa-metragem, a obra se trata de uma comédia romântica cuja trama revela a história de dois amigos de infância, Nora e Hae Sung, que mais tarde se reencontram quando adultos em contexto distinto. Os dois possuem uma conexão especial, como se já se conhecessem de outras vidas, porém o romance é quebrado, visto que Nora já está em um relacionamento.
O filme é notável pela sinceridade e maturidade da visão que propõe sobre o romance. E neste ano de 2025, a diretora estreia mais um filme, “Amores materialistas”, estrelado por Dakota Johnson, Chris Evans e Pedro Pascal, e que aborda o triângulo amoroso de uma forma diferente.
É interessante que Song, em seus dois primeiros longas, constrói narrativas românticas fora da curva, diferente de outros filmes norte-americanos atuais, como “Todos Menos Você ”(2023) ou “Amor à Primeira Vista” (2023). Diante disso, me pergunto se há aí uma nova perspectiva para o gênero de romance, sem o papel do “príncipe encantado”, do amor inusitado ou da paixão após a mudança física de uma mulher.
Então, que romance é esse que Celine Song aborda?
Tanto "Past Lives" quanto “Amores Materialistas” apresentam três persoangens a conduzir a história. Nessa configuração de dois homens e uma mulher, a personagem feminina se estabelece como protagonista. Seria, então, um triângulo amoroso? Se levarmos em conta que o triângulo amoroso ocorre quando uma pessoa está envolvida romanticamente, ou sentimentalmente, com duas outras, iniciando um conflito de dilemas que movem a narrativa, sim, temos um triângulo amoroso em ambos os filmes.

Em "Past Lives", Nora vê reacender o amor que sente por Hae Sung, algo mais puro e ligado a um platonismo de infância, mesmo em um relacionamento sério com Arthur. A protagonista não vive um romance com os dois homens, porém ela cultiva sentimentos por eles. Seu atual parceiro lhe dá a segurança de uma relação madura e leve na vida que ela possui nos Estados Unidos, já com o amor de infância a faz lembrar suas origens, e há um eu que só ele entende por nascerem na mesma cultura. E tudo bem. São ambos sentimentos verdadeiros, por isso lhe dói pensar em ficar sem um deles.
O jovem Sung vai em busca de reencontrar sua amada, e demonstra seu desejo de ficar com ela. No longa acompanhamos a conexão dos dois desde a infância, do reencontro on-line e físico que faz os protagonistas retornarem ao passado. E é bonito de ver. A direção coloca em paralelo as personagens e os lugares, e muitas vezes, mostra o passado mesclando com o futuro. E, em muitos momentos, foca nas sensações, nos olhares e sorrisos, nessa experiência de estar junto de alguém quem se tem um amor intrínseco, mas limitado pelo destino.
Apesar da chegada de Sung causar um certo estranhamento ao atual namorado, não há embate entre os dois. Invés de cair no clichê das comédias românticas no qual dois homens brigam por uma mulher, o filme brinca com a ideia de destino, não diminuindo a figura de Arthur como alguém que atrapalha o futuro de Nora e Sung. Por isso esta é uma obra que possui um olhar sóbrio sobre a vida, uma vez que esta é feita de escolhas, de encontros e de despedidas. Nora construiu sua vida e é feliz nela, mas surge sempre o elemento condicional conduzido pela questão: “e se fosse diferente?” Mas a direção não se prende a isso. O mais importante aqui não é saber como o filme irá terminar, mas sim a experiência dos personagens e dos espectadores neste encontro.

Diferente de "Past Lives", “Amores materialistas” volta-se para a trajetória amorosa de Lucy, uma casamenteira bem sucedida por entender as necessidades de seus clientes. Um desejo naturalmente conduzido pela crença que as pessoas têm no encontro com sua cara metade. De um alguém carismático, rico e em forma, para, assim, realizar o sonho do casamento como status ápice da vida romântica.
Em um casamento, ela conhece Harry, homem no qual é conhecido por ser aquele cara que toda mulher quer, bonito, carismático e rico, porém Lucy reencontra seu ex namorado John, com quem ainda possui carinho, apesar de não possuir posses nem estabilidade. Neste triângulo amoroso, Lucy começa a ter admiração por Harry, afinal ele a trata bem, com mimos e fazendo-a sentir especial, mas seu coração é de John.
Será que Lucy estaria se apaixonando por Harry? Ou será que ela só ama o que ele proporciona? É esta questão que o filme parece ater. Este novo trabalho de Celine Song propõe uma perspectiva sobre as relações interpessoais marcadas pela busca de status e reafirmação monetária, fruto de uma sociedade submersa no capitalismo e a industrialização dos afetos.
É fato que o filme pode não ter agradado a todos, já que prefere uma narrativa mais contida e sem grandes dilemas amorosos. Sobretudo pelo fato de Lucy não se render ao que é normalizado no “mercado” do amor. Me parece que ela sempre gostou de John, porém a estabilidade que ela gostaria, ele não pode proporcionar. E convenhamos: as mulheres não precisam que os homens lhes deem estabilidade financeira. Elas mesmas podem conquistar isso. O que Lucy deseja é um amor que ela conhece e lhe apoia, quem ela pode conversar, confiar e ser ela mesma.
Apesar da presença do triângulo amoroso em ambos os filmes, o confronto entre os personagens masculinos não acontece. Acredito que isso se faz assim pela postura das personagens femininas, que, apesar de não serem perfeitas ou certinhas, são mulheres bem decididas naquilo que procuram. E é por isso que esses dois filmes de Celine Song me fazem pensar em uma outra forma de construção narrativa nos filmes de romance.
Importante lembrarmos que a comédia romântica é um gênero atrelado ao universo feminino, e que, na maioria das vezes, está carregado de tecnologias de gênero (De Lauretis, 1994) e pedagógicas afetivas que condicionam a perspectiva amorosa das meninas. E o que percebo em "Past Lives" e “Amores Materialistas” é uma busca pela desconstrução destes engendramentos de gênero que o romance possui no cinema.
É claro que essa é minha perspectiva sobre as duas obras, afinal, eu gosto de assistir filmes românticos, mas estou cansada de filmes em que mulheres estão sempre correndo atrás dos homens, ou da supervalorização do amor por parte das mulheres. Acredito que podemos repensar a construção narrativa do gênero, buscando mais sobriedade às questões amorosas e ao universo romântico, pois o amor romântico não dá conta de tudo. É preciso pensar e repensar as relações amorosas, seja a partir do cinema ou fora dele.
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