"Os anos de chumbo". A mulher e a luta pessoal, social e política.
- raianecfferreira
- 10 de jan. de 2019
- 3 min de leitura
Atualizado: 6 de fev. de 2019

Durante a história do cinema as mulheres se viram fazendo seus filmes de maneira independente. Nisso elas tinham a liberdade de ousar e trazer as temáticas feminista para a discussão em suas obras. Muitas dessas cineastas usaram, e usam o cinema como investigação de construção de imaginário feminino, seu lugar político e social a fim de expor sobretudo à espectadora feminina, outro olhar sobre a mulher, diferente das que estavam sendo mostradas em Hollywood no contexto dos anos 1980. Ou seja, mulheres impotentes e vitimas, que reforçam uma ideia de inutilidade da mulher.
Para desfazer-se da herança nazista, muitos filmes alemães dos anos 1970 e 1980, trouxeram o tema do nazismo, porém, também surgia a necessidade de trazer questões pessoais para as telas do cinema. Diante disto, Margarethe von Trotta, diretora, roteirista e atriz de cinema alemã, considerada líder do movimento do novo cinema alemão, trás no filme "Os Anos de Chumbo" (Die Bleierne Zeit) os dilemas pessoais de duas mulheres que sobrevivem diante de um passado violento que afetou suas escolhas, e seu modo de se colocar como mulher no pais onde se encontram.
O filme nos trás duas irmãs, Juliane e Marianne, sendo a primeira mais velha um ano que a outra. As duas cresceram em um ambiente repressor pela figura do pai, um pastor rigoroso, e da insuficiência de uma mãe sem voz. Porém, as escolhas de vida das duas se diferem, Juliane trabalha em uma revista feminista e está ativamente envolvida em campanhas a favor dos direitos das mulheres, enquanto Marianne abandona seu filho Jan para se tornar terrorista radical. O filme mescla os conflitos presentes com flashbacks das duas em sua infância e juventude, fazendo parte de uma geração que sentiram ainda os resquícios da segunda guerra mundial.

Através das cenas que revelam o passado, percebemos a troca de posições entre as personagens, pois era Juliane a rebelde que rebatia as ideias do pai, e discutia com a professora, enquanto Marianne era incrivelmente obediente e seguia os padrões que a sociedade exigia. A rebeldia de Juliane é colocada como mais saudável por vir da necessidade de construir uma identidade feminina, ao invés da obediência doentia de Marianne, que era movida pelo desejo de aprovação do pai, e insegurança quanto sua identidade feminina. Um detalhe que deixa essa questão mais clara é quando Juliane discute com Marianne na prisão apontando que se ela tivesse nascido no regime de Hitler, Marianne teria sido uma adepta do Nazismo, por sua necessidade de obediência.
Diante de uma estética realista intratável, o filme revela a relação estreita entre duas mulheres, apontando a complexa atração que ambas sentem pelas qualidade de outra nas quais ela não possui, e também uma dificuldade de estabelecer um limite entre o eu e o outro. Isso é claramente colocado na obsessão de Julianne por ajudar sua irmã que vive uma vida instável como fugitiva.
Essa relação pode ser interpretada como a do duplo, sendo Marianne o duplo de Juliane, pois a irmã seria alguém que ela gostaria de ser, uma mulher forte, bonita e livre. Isso só é possível pois vemos Marianne apenas pelos olhos de Juliane, já que o filme carrega seu ponto de vista. Uma das cenas que pode ser um símbolo desta idéia é quando Juliane vai visitar Marianne no presídio e as duas se vêem através de um vidro, com isso seus rostos se mesclam.

O filme também fala o quanto as ações das gerações anteriores afetam as futuras, pois assim como a opressão do pai e a impotência da mãe afetou Juliane e Marianne, as ações delas resvalaram no filho que Marianne deixou para trás. O jovem foi abandonado pela mãe, e com o suicídio do seu pai, só havia a tia para ficar com sua guarda, porém, Juliane se recusa a carregar essa responsabilidade que era de sua irmã. O garoto acaba indo para um orfanato.
Anos depois, quando Marianne se mata na prisão, descobrem que Jan é filho da terrorista, e alguns garotos ateiam fogo nele. Ao tomar conhecimento disso, Juliane decide cuidar da criança, mas era tarde demais, o menino já foi afetado pelas ações de sua mãe, o que irá definir seu desenvolvimento como homem.
É com excelência que von Trotta constrói suas personagens femininas, desvincula-se dos padrões de beleza, e das ideias patriarcais, para mostrar o feminino dentro de um contexto maior. Com isso ela traz a temática da discordância familiar e estratégias esquerdistas do terrorismo alemão, imersas dentro de um passado nazista e cristão que influenciam na formação do posicionamento pessoal, social e político das personagens. E mesmo que seus esforços não sejam conhecidos, elas continuam ativamente dentro de uma luta íntima, social e política.
Ficha técnica
Título original: Die Bleierne Zeit
Direção: Margarethe von Trotta
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