É muito comum as crianças, principalmente as meninas, cresceram escutando histórias ou assistindo filmes e novelas românticas cujo desfecho envolvem uma grande cerimônias, como um casamento, ou importantes acontecimentos, como o nascimento do filho. Esses eventos são símbolos de uma suposta felicidade inserida no imaginário da população e que influenciam como cada indivíduo vai se relacionar com o mundo ao seu redor.
Com isso, iremos falar um pouco sobre o filme Os Nossos Filhos - À Perdre la Raison (2012), uma obra que coloca estes elementos em cheque e relaciona uma série de problemáticas reais que afetam principalmente as mulheres em suas mais distintas formas de viver.
Os Nossos Filhos (À Perdre la Raison) do diretor Joachim Lafosse foi selecionado como representante da Bélgica no Oscar 2013. Trata-se de um drama que constrói de forma bastante sensível e um pouco previsível, uma narrativa que fala sobre o lado obscuro do casamento, da maternidade e de como alguns acordos implícitos podem afetar a vida de uma mulher, como afetou Murielle, a protagonista da história.
O filme é inspirado em fatos reais, mas por razões dramáticas, distancia-se do acontecimento verídicos sempre que possível. O filme possui três personagens centrais, temos Murielle (Emilie Dequenne), uma professora belga, Mounir (Tahar Rahim), um imigrante marroquino, e André Pinget (Niels Arestrup) um médico renomado e padrasto do rapaz e que o criou desde pequeno.
O filme inicia-se com o romance dos jovens que, completamente apaixonados, decidem casar e constituir uma família. Com o anúncio do casamento, André, por mais que não goste da idéia, procura ajudá-los pagando as despesas da cerimônia e permitindo que morem em sua casa por tempo indeterminado.
No primeiro ato, Murielle e Mounir parecem o casal perfeito. São companheiros e demonstram estar felizes. Logo o primeiro filho surge. E a atenção desse novo membro alcança toda toda a atenção dos três personagens. E não demora muito para o casal cair nesse ciclo que parece não terminar: O anúncio de uma gravidez, nove meses de gestação, o nascimento do bebê.
A direção escolhe mostrar esse ciclo de maneira objetiva, com algumas elipses temporais e uma câmera que acompanha de perto as personagens, essa decisão objetiva dá ênfase nas consequências que serão reveladas ao longo da obra. Por mais que a chegada das crianças causem alegria no casal e em André, os conflitos não se adiam.
A insatisfação da jovem mãe é clara já que ela demonstra estar atarefada com os cuidados dos filhos e da casa que não a pertence. A tudo isso, soma-se sua submissão às ordens do velho médico e do cada vez mais distante, marido. Por conta destas obrigações ela deixa de lecionar, atividade que lhe conferia ainda o maior prazer. Sua vida perde cada vez mais o sentido.
É na chegada do quarto filho que o filme agrega um tom mais dramático. Os três personagens estão dentro de um triângulo de dependência e opressão. Por mais que Mounir saiba da infelicidade da esposa, não consegue se desprender da grande muleta que é seu padrasto. As falsas ajudas de André surgem como forma de controle. Por um lado ele oferece estabilidade e conforto a família e por outro ele os manipulam emocionalmente.
O diretor coloca na tela uma série de ações sutis, que vão desde um olhar de repressão à um tapa na cara. Toda essa repressão afasta Murielle do mundo e de seus filhos. A moça é agredida fisicamente, verbalmente e psicologicamente, pelos dois homens com quem ela vive. E mesmo com tudo isso, mesmo sendo uma mulher moderna, os conflitos chegam a um certo ponto em que ela não consegue se opor aos dois.
O controle e a submissão disfarçada de respeito faz o casal implodir. Com isso, Murielle vai se tornando uma espécie de mulher Zumbi. Infeliz e sem perspectiva de mudança, não lhe resta muitas escolhas. Ela é conduzida a uma vida que anteriormente achava ser perfeita, mas que se converte a um tormento a ponto dela não poder ter mais liberdade de escolher o que deseja fazer ou de apenas descansar por estar cansada.
Em um dos papéis mais difíceis de sua carreira, a atriz Emilie Dequenne consegue, divinamente, transmitir ao público as nuances e tonalidades da perturbação psicológica que seu papel carrega. Uma das cenas em que ela mostra todo seu potencial é no plano sequência que Murielle conduz um carro e desmorona ao ouvir a música de Julien Clerc.
Ao ouvir a canção o trauma em que mulher está passando fica visível, já que a letra descreve as mulheres como frágeis e difíceis, ponto de vista totalmente masculino. Isso potencializa o modelo exigido que as mulheres sigam, como ser boa mãe, dona de casa e servir ao marido e à família.
Em uma interpretação mais minuciosa, podemos entender a casa em que os personagens vivem como uma representação da sociedade patriarcal. Dentro desse ambiente, as mulheres são alvos do machismo que afetam suas vidas de uma forma quase epidérmica.
É fato que Os Nossos Filhos é uma obra potente e contemporânea, pois possui uma estética que intensifica o estado sufocante da protagonista e gera reflexões sobre as formas de controle sofridas pelas mulheres dentro de uma sociedade em que elas não conseguem se apropriar da sua liberdade.
Título Original: À PERDRE LA RAISON
Direção: JOACHIM LAFOSSE
País: Bélgica, Luxemburgo.
Ano: 2012
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