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'PARECE AMOR' | A MIOPIA SEXUAL DA JUVENTUDE


A perda da inocência é uma das histórias mais contadas pela indústria cinematográfica. O motivo desta enorme adesão pode se dar, entre outras causas, pelo fato de que qualquer pessoa pode vir a passar por este momento. A temática é mais comum em filmes de comédia adolescênte, porém, como o desenvolvimento da sexualidade não é um momento fácil, abordagens dramáticas surgem trazendo uma reflexão mais profunda sobre o assunto. Um deles é o filme "It Felt Like Love"/ "Parece amor" (2013), trabalho de estreia da diretora Eliza Hittman.


"Parece Amor" é um drama adolescente que aborda como o início da sexualização pode ser conturbado para uma garota. É nesse contexto que acompanhamos Lila (Gina Piersanti), uma jovem virgem que mora no Brooklyn e que passa muito tempo com sua amiga Chiara (Giovanna Salimeni), que teve algumas experiências sexuais, mas se comporta como se já tivesse muito conhecimento neste ponto.


As cobranças por iniciar a sexualidade é imposta para a garota direta e indiretamente Seja através de conversas ou da necessidade de fazer parte de um grupo, por exemplo. Deste modo, Chiara apresenta a Lila, Sammy (Ronen Rubinstein), um garoto universitário capaz de fazer sexo com qualquer pessoa. Apesar disso, o rapaz é um pouco mais sensível que outros garotos, mas não demonstra interesse em Lila.


O longa propõe para nós, espectadores, o olhar de Lila. Aquilo que ela enxerga, suas percepções de mundo, sua relação com a amiga, com o irmão, com o pai e com os garotos. Desta forma, o aspecto estético do filme apresenta através da fotografia, uma câmera mais próxima aos corpos dos jovens, evidenciando detalhes dos gestos, enfatizando a pele, o toque, os rostos, as mínimas expressões que são pouco notadas pelos demais.

A protagonista claramente se espelha na amiga bonita, com o corpo mais curvilíneo e mais desenvolvido do que o dela, uma vez que Lila possui traços corpóreos ainda infantis. De acordo com o que o filme nos apresenta, interpretamos, a princípio, que a garota quisesse ser como a amiga pelo fato dela ter atenção especial dos garotos. E isso faz sentido, já que para as garotas que a diretora retrata na obra, ter a atenção dos rapazes significa ser percebida e contemplada pelo mundo, porque, afinal, pela perspectiva heteronormativa de uma sociedade machista, o mundo pertenceria aos homens.


Em muitos momentos na primeira parte do filme, notamos Lila observando os flertes e carícias entre a amiga e o namorado. Essa análise, feita por meio de uma construção em planos detalhes, além de retratar aquilo que a jovem observa, também transmite a miopia deste ponto de vista para as relações amorosas. Outro fator interessante é a característica infantil que caracteriza sua personalidade imatura e egocêntrica, comum para toda pessoa que ainda não chegou à idade adulta, de fato.


Mas será que Lila realmente acredita no que fala ou é apenas desespero de uma garota que quer se enquadrar? Uma das referências de relacionamento que a estória apresenta é o da amiga com o namorado, porém a relação dos dois não é de todo romântica e saudável enquanto modelo a ser seguido. Isso é reforçado no filme através das situações que carregam uma certa estranheza, tanto pela maneira como os dois se comportam quanto pelos diálogos que estabelecem.


Para ter atenção e parecer alguém interessante, a moça mascara sua vida criando uma série de inverdades a respeito. Algo comum de acontecer na adolescência. Porém, o que ela recebe em troca é a indiferença. As cenas em que Lila sai com Sammy são atormentadoras, pois é quase palpável a aversão dele em relação às mulheres. As brincadeiras insinuativas, as risadas e o desprezo são parte do sistema sexual de ordem binária do mundo em que vivemos.

Deste modo, a diretora também faz uma crítica à cultura pornô enfatizando a influência dela junto aos rapazes. Tudo isso gera e reforça uma ideia de dominação entre os gêneros e de distorção do que é o prazer feminino. E isso é bastante problemático, já que as meninas do filme possuem um conceito distorcido do sexo, prática que pode ser a geradora de prazer, mas também receptora de dor.


É por colocar na tela questões polêmicas que o roteiro de Hitman é comparado a filmes como "Para minha irmã" de Catherine Breillat, "O Romance de Morvern Callar" de Lynne Ramsay, ou "Kids" de Larry Clark. Todos estes filmes possuem um olhar frio para as relações, ilustrando um universo desprovido de amor verdadeiro e repleto de abusos e envolvimentos passageiros.


O dilema da protagonista pode parecer superficial, mas na verdade não é bem assim. Pois a cultura ocidental incentiva as mulheres a agregarem um padrão de beleza e corpo, mesmo sabendo que cada mulher é distinta, cada corpo é diferente e muitas moças não irão mesmo se enquadrar neste padrão.


Então, o que é ser mulher? A mulher só existe quando inserida numa relação com os homens? O fato é que o mundo ainda é machista e a sexualidade feminina ainda é objeto de repressão. E de certa forma, as moças estão tentando entender a si, seus corpos e sua sexualidade dentro deste contexto complexo.


Neste seu trabalho, Hitman nos propõe a ver o mundo com os olhos de uma adolescente, com motivações rasas como: o medo, o desejo e a aceitação. Onde as moças se odeiam e se cobram e os garotos se despersonalizam pelos códigos da masculinidade tóxica. De onde surgem todas estas amarras? Que tipos de padrões são produzidos e reproduzidos por todos?


E é por impulsionar estas e outras questões que "Parece Amor" não só se desenrola diante dos seus olhos, mas também pesa sobre cada um de nós.




Título original: It Felt Like Love

Diretor: Eliza Hittman

Ano: 2013

País: EUA

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