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PEQUENA MAMÃE | OS LUGARES POSSÍVEIS DO IMAGINÁRIO NA INFÂNCIA


Depois do grande e aclamado projeto "Retrato de uma Jovem em Chamas", Céline Sciamma decide ir por um caminho inverso, e realiza um filme mínimo, com protagonismo infantil, poucos atores, poucas locações e curta duração. Embora tenha estas características, "Pequena Mamãe" (2022), seu atual trabalho, não deixa de ser grandioso em sua construção e processo criativo.


No longa acompanhamos a pequena Nelly, uma garota de oito anos que acaba de perder a avó. Diante deste fato ela ajuda os pais a arrumar a velha casa que ficaria a partir daquele fato, abandonada. Ao saber que sua mãe havia a deixado sozinha com o pai, a menina se distrai e explora o local nos arredores da residência. Procura entender a infância de sua progenitora e certo dia ela encontra uma garota de mesma idade que a sua, construindo uma cabana no mesmo lugar onde sua mãe havia feito uma estrutura semelhante, anos atrás. As duas se aproximam e iniciam uma amizade.


Temos uma premissa simples. A diretora dispensa longas explicações ou dramas no trabalho. Em apenas 70 minutos, conseguimos imergir e nos aproximar na questão dos personagens em um conto que fala de perda e amizade. Sciamma tem convicção na eficácia das suas imagens, então as utiliza como ponto central do envolvimento do espectador para com a obra. A realizadora consegue exprimir aqui um minimalismo muito específico.


Nesta obra, há uma dinâmica entre o real e o imaginário, onde a diretora brinca com as possibilidades da mente imaginativa da criança, que, com sua ingenuidade, passeia por ambos os mundos, criando possíveis, mesmo lidando com a dureza da realidade. É nisso que o caráter do faz de conta aparece de forma leve e belíssima, mostrando momentos de descontração entre Nelly e Marion em suas brincadeiras.


O roteiro compreende a impossibilidade da “dobra no tempo” no qual ele lida, mas para as duas meninas e o seu encontro, isso não importa muito, pois há a preservação do que cada uma acredita em suas vivências infantis. Dentro do jogo entre o passado e o presente, a diretora encontra uma forma de mostrar três gerações de mulheres e suas relações consanguíneas, afetivas, emocionais e simbólicas.


Toda a situação do luto existente na casa, antes ocupada pela avó, foi preenchida pelas memórias que a pequena Marion revive junto de Nelly. Existe então, uma transposição entre a representação adulta, que revisita a infância, e a infância que vai entendendo as complexidades da vida adulta. Este é o ponto onde a beleza do filme encontra sua maior força.


A jovem menina vive uma aventura que a faz enxergar sua mãe de outra forma. E a mãe reencontra sua criança ferida através da figura da filha, cujo amor e acolhimento são compartilhados por ambas. O vínculo mantido por elas é ressignificado a partir do luto vivido. Apesar de não haver a verbalização dos sentimentos, Nelly compreende a dor da mãe, mesmo que lhe doa vê-la se afastar.


A figura da avó, neste caso, seria a personificação do passado, algo ainda mantido por Marion. Já Nelly, seria a imagem do futuro, uma oportunidade de criar novas lembranças e novos vínculos familiares. Pois o laço construído por essas mulheres no filme, está fora de uma estrutura hierárquica e dentro de uma igualdade e de respeito mútuo.


Essas são características que nos permitem dizer o quanto Pequena Mamãe se trata de uma obra fantástica. Nela, Céline Sciamma fala sobre a memória, o luto, e a evolução natural dos laços familiares em uma narrativa mínima, com poucos elementos, mas que não deixa a desejar em nenhum aspecto a ela relativo. A obra é uma prova de que para se fazer um bom filme, não precisa-se de excessos, apenas de uma boa percepção e foco no desejo de se contar algo.


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