Pobres criaturas já pode ser considerado um dos melhores filmes do diretor Yorgos Lanthimos. Porém, meu pensamento crítico me levou a questões que me fizeram pensar, principalmente no que diz respeito à construção da personagem feminina. E é isso que quero conversar com vocês.
O longa se sustenta na trajetória de Bella Baxter, trazida de volta à vida pelo cientista Dr. Godwin Baxter, e que foi criada para ser uma mulher “perfeita”, mas na verdade ela não se mostra exatamente adequada a essa ideia. Bella é uma criatura livre de todos os estigmas da sociedade. Com o corpo desenvolvido e uma mente infantil, ela ainda não consegue medir seus atos e palavras, e nem seus desejos carnais. Ao passo que vai explorando o mundo e seu corpo, vai amadurecendo e entendendo quem ela é. Temos uma história simples de amadurecimento. E sim, a sexualidade tem um ponto importante nessa história.
O diretor coloca o sexo como uma das principais aventuras da personagem. E questões patriarcais vão surgindo como mecanismos de controle desse corpo liberto e feroz. E o tema da liberdade feminina surge aqui como a grande questão do filme. Mas será que Pobres criaturas é um filme feminista? Podemos dizer que o filme não tem nada de machista? A resposta é Não!
Por mais que o filme paressa ter uma “boa intenção” mostrando as amarras que querem aprisionar o corpo da mulher, a ideia de colocar a exploração do mundo através do sexo soa muito simplória para tudo o que uma mulher pode realmente conquistar. Penso que talvez isso não aconteceria se estivéssemos falando de um personagem masculino.
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Na corrida ao Oscar de melhor filme, temos três obras que falam do papel da mulher na sociedade. Além de ‘Pobres criaturas’, temos ‘Barbie’ e ‘Anatomia de uma queda’. Claro, cada um com uma abordagem própria. Em “Barbie” temos uma comédia dramática leve e descontraída, mais acessível a grandes massas. “Pobres criaturas” possui uma construção estética mais formalista, com uma performance mais expansiva. Já “Anatomia de uma queda”, temos um drama mais refinado de aparato técnico-temático mais profundo. E pensando na construção das personagens femininas nestes filmes, o terceiro me agrada mais.
Em “Anatomia de uma queda”, Triet explora a mulher do mundo contemporâneo. Prática, independente, carreirista, mãe, e também sexual, pois é dona de seu corpo e de seu desejo. Existe uma criação complexa das emoções de Sandra, que não conseguimos acessar seus pensamentos. Temos, de fato, uma personagem com a complexidade feminina por excelência, algo que só uma mulher pode entender.
Bella pode até parecer complexa, mas dentro de uma construção cênica transparente. O diretor põe em sua boca tudo o que ela sente e pensa. Não há mistério, nem nada de tão expendido. Assim como em Barbie, onde também temos a narrativa fantástica para mostrar uma jornada de autodescobrimento do ser mulher na sociedade patriarcal.
E embora toda essa minha inquietação de participar, e de algumas repetições que soaram cansativas, Pobres criaturas é uma obra singular que, com certeza, será uma das mais lembradas do diretor, isso, graças a sua avassaladora construção estética e performances grandiosas. Mas no fim, o que temos é apenas um filme com uma percepção masculino.
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