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SHIVA BABY | O ATRITO ENTRE CULTURAS E GERAÇÕES


As diferenças fazem parte da vida dos seres humanos, elas são inevitáveis e mesmo assim ainda existem ordens que não aceitam esta realidade. A cultura, as gerações, as crenças e opiniões são alguns exemplos em que existe um embate concreto entre os opostos. E é claro que as divergências geram histórias incríveis para o cinema. Um exemplo de obra que aborda os conflitos familiares diante das distintas gerações e culturas é o filme Shiva Baby (2020), o primeiro longa-metragem da diretora Emma Seligman.


Antes de virar um longa, Emma Seligman realizou um curta metragem com o mesmo nome e com a mesma premissa. Em Shiva Baby acompanhamos a Danielle (Rachel Sennott), uma universitária judia e bissexual que vai a um shivá, um velório judaico, e precisa lidar com uma sucessão de encontros inesperados e constrangedores para ela. Além de ter que aguentar os comentários de seus pais, ela encontra seu sugar daddy acompanhado da esposa e do filho bebê. Somado a isso, a protagonista também esbarra com sua ex-namorada.


Por mais que Danielle tenha sua independência e seu trabalho nada convencional, sua vida pessoal e íntima não se misturam muito com a sua vida familiar, porém aqui a protagonista precisa encarar as versões de si mesma diante dos olhos alheios, personas que foram criadas para sobreviver a um mundo que deseja controlar as pessoas e suas vidas. Em um mesmo local, Danielle é a filha, a solteira, a estudante, a ex e a amante. Isso gera o desconforto que perdura quase a obra inteira.


Quando pensamos em estética e linguagem cinematográfica, temos aqui um filme que carrega em sua narrativa uma espécie de tensão que surge não apenas das situações constrangedoras, mas principalmente das perturbações e ansiedades diante às tradições e a ambiguidade da vida adulta. A direção junto com a fotografia, a trilha sonora e a montagem, propõe todo um conjunto de elementos que acentuam ao espectador toda a confusão mental que a moça está passando.


É no mínimo interessante como a protagonista é construída, pois mesmo sendo uma profissional do sexo, não há neste trabalho rotulações ou estereotipias que sobressaem nela já que seu trabalho não se origina da necessidade financeira ou algo assim. Porém, há sim uma característica muito forte de uma juventude inconsistente, na qual a sexualidade surge como uma tentativa de validar um poder sobre si, sobre seu corpo e sobre o que o rodeia.


Em contraponto a isso, temos o Shivá, e toda a família tradicional judaica que impõe à garota as regras aceitáveis para aquela comunidade. Há muitos personagens dando suas opiniões sobre outras pessoas, sobre o que devem ou o que não devem fazer, algo muito comum em qualquer família tradicional, inclusive a brasileira. Estes trechos servem como uma leve reflexão sobre os atritos culturais, e geracionais, além da discordância entre os valores familiares e tradicionais com as novas dinâmicas entre os relacionamentos.


Diante deste pano de fundo, existe um sentido de não permanência que retorna a jovem, assim como a desaprovação e o segredo. No momento em que Danielle beija sua ex-namorada Maya no lado de fora da casa, temos uma quebra das sequências de situações angustiantes para uma cena discursiva que serve como um respiro e uma resposta da garota a tudo o que está acontecendo.


A repetição dos eventos incômodos tem um efeito desgastante e não permite que a narrativa avance, ocasionando também a não articulação de um discurso mais aprofundado sobre as questões pautadas no filme, algo que eu gostaria de ter visto mais em Shiva Baby. Esta opção por enfatizar as contradições do universo de uma jovem adulta no mundo contemporâneo e as tradições que lhe cercam são válidas, mas o filme só passeia pelo tema, permanecendo em um looping de constrangimentos, o que, de certa forma, soa como simplório.


Mas tudo bem, esta foi uma escolha consciente da diretora e do que ela quis passar com sua obra. Da mesma forma que outros diretores procuram explorar mais as temáticas e questões dos personagens em seus trabalhos, como por exemplo em filmes como “Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre” de Eliza Hittman, e “Tudo Perdoado” de Mia Hansen-Løve, ambos realizados por diretoras que conseguem construir um olhar próprio sobre a realidade. Que elaboram e problematizam os elementos presentes na experiência do gênero e do subgênero cinematográfico sem ceder a fórmulas pré-estabelecidas.


Mas Emma Seligman ainda é uma diretora iniciante e mesmo assim conseguiu construir um filme interessante e bem atual. O que nos deixa na expectativa que ela possa nos trazer experiências e reflexões diversas através de suas criações.




Direção: Emma Seligman

Ano: 2020

País: EUA


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