top of page
Buscar
Foto do escritorraianecfferreira

SIBYL | ENTRE O PRESENTE E O PASSADO


A mente humana ainda é um dos grandes mistérios para os cientistas. Não é à toa que suas potencialidades causam bastante curiosidade. O cinema, por exemplo, utiliza o dispositivo mental desde sua origem, seja utiliza imagens em movimento, criando novas formas de linguagem, contando histórias e estimulando o imaginário do público.


É deste modo que o campo criativo se desenvolve à medida em que se descobre novas maneiras de produzir mundos imagéticos. Essa é uma das maiores expertises da mente humana. Pensando neste assunto iremos discutir o filme Sibyl (2019). Dirigido por Justine Triet, a obra discute a complexidade dos impulsos criativos que necessitam de uma fonte de inspiração.


Sibyl é uma psicóloga renomada que se encontra no auge da sua carreira. Por ter atributos literários, ela tem o desejo de se dedicar à carreira de escritora, e acaba despensando a maioria dos seus pacientes no dia a dia. Porém ela se vê num impasse quando Margot, uma jovem atriz, vai até ela pedir ajuda em seus dilemas. A problemática da paciente é interessante e inspiradora, o que faz a terapeuta começar a se envolver cada vez mais no mundo da jovem em prol do seu livro.


A montagem adotada no filme acentua as características dinâmicas das suas várias camadas narrativas. Esse é um recurso que além de mesclar diferentes linhas do tempo, ilustra o que está sendo escrito pela protagonista. Estas e outras decisões são indícios de uma direção madura, que usa da linguagem cinematográfica não só para contar, mas envolver o espectador na história.

Ao passo que a trama avança, conseguimos entender as complexidades de Sibyl e de Margot, suas diferenças e semelhanças. Embora profissionalmente rígida, a psicóloga vive em batalha interna contra o vício ao álcool e com seu marido que não a apoia em sua empreitada como escritora.


As sessões de terapia com Margot servem como dispositivo para entendermos não só sobre a jovem, mas também sobre sua terapeuta. Neste sentido, o flashback aparece como mecanismo da memória. Por se tratar de algo que vem da mente, as informações não são postas por completo sendo apenas colocadas como fragmentos de algo que aconteceu no passado, em que só iremos entender ao final do filme.


O artifício da memória é utilizado neste trabalho para além das lembranças. Uma vez que a abordagem abraça o caminho tênue entre a realidade e a ficção, lembrança e imaginação de Sibyl. Ao se misturarem, elas dão corpo à narrativa e à confusão da protagonista que vive entre esses dois mundos, já que em determinados momentos, seu ser atual se mescla com seu eu agitado do passado gerando uma crise em sua mente.


Ao mesmo tempo em que Sibyl tem que ajudar sua paciente, ela fica no impasse de apenas observar o desenrolar dos acontecimentos e utilizá-lo como inspiração no seu processo de escrita. Por causa disso não é claro o interesse da psicóloga para com Margot. Não sabemos se ela realmente se importa com a jovem por identificar-se com ela, ou apenas a usa para construir seu livro.


Esta dúvida não é necessariamente ruim, pois o ser humano não é um cálculo exato. Trazer estas nuances do ser é de fato interessante dentro da ficção, já que assim como todos os personagens desta estória, Sibyl também tem seus dilemas e problemas. Ao mesmo tempo que precisa manter o controle para não ceder ao vício do álcool, também não se sente feliz com seu trabalho de psicóloga. Seu principal questionamento é não acreditar que pode ajudar outras pessoas quando sequer consegue resolver seus dilemas pessoais.

Somado a isso, a figura masculina aparece neste trabalho como o causador das turbulências nas vidas das mulheres. Um exemplo disso é Igor, que acaba traindo sua esposa, Mika - uma reconhecida diretora de cinema - , após se envolver com Margot. Suas atitudes impulsivas causam turbulências e dentro do sentido do filme ajudam a estruturar todo um senso dramático em torno do triângulo amoroso que se forma entre os personagens.


Por mais que o filme tencione os conflitos emocionais dos personagens secundários, estes não são o seu foco. Na verdade, eles dão mais corpo à linha central da narrativa que tem como foco Sibyl. Aqui, ver a resolução dos conflitos não é importante, mas sim acompanhar como a terapeuta age diante daquilo que ela presencia, às vezes distante e em outros momentos envolvida demais.


Ao mesmo tempo que há um clima intenso entre as figuras no filme, a diretora ainda as coloca dentro de um set de filmagens. Para quem já teve uma experiência dessas, sabe muito bem que não é um ambiente muito tranquilo. Além do mais, o filme reflete sobre os limites dentro da profissão, principalmente daquelas que necessitam de um impulso criativo.


O envolvimento de Sibyl vai tomando proporções irreversíveis, até que ela percebe que sua vida é uma ficção. Ela aprendeu a esconder-se atrás da máscara da boa terapeuta, boa mãe e boa esposa, mas no fundo há uma mulher cheia de ressentimentos difíceis de superar. Com isso ela precisa encarar a realidade e confrontar suas angústias.


Sibyl e Margot são duas mulheres com vidas turbulentas principalmente por conta de seus relacionamentos com homens. O desequilíbrio da vida amorosa não afeta somente a ela, mas também seu tratamento com todos aqueles que a fazem, inocentemente, rememorar sua dor. E mesmo sendo algo tão humano, a dor nem sempre é fácil de decifrar e superar.



Título: Sibyl

Diretora: Justine Triet

Ano: 2019

País: França

2 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page