Dentro da cinematografia mundial, são poucas as obras que conseguem uma abordagem diferente do universo repleto de descobertas que é a adolescência. Dentro desta temática, está Skate Kitchen (2018), obra da diretora e roteirista Crystal Moselle, que possui uma maneira agradavelmente simples de demonstrar pequenas venturas e desventuras da juventude.
O filme tem como protagonista Camille (Rachelle Vinberg) uma jovem de 18 anos apaixonada por skate. Ela se vê sozinha aprimorando manobras e saltos, e vive com sua mãe (Elizabeth Rodriguez), que não gosta muito do esporte escolhido pela filha. A cena inicial mostra Camille treinando, e ao fazer uma manobra, ela cai e corta a parte interna da vagina, fazendo-a sangrar muito e ir ao hospital. A situação leva sua mãe a proibi-la de tocar no skate novamente.
Camille não aceita deixar de praticar seu esporte, com isso a menina encontra outra pista de skate longe de sua casa. É neste novo território que ela conhece Kurt (Nina Moran), Janay (Ardelia Lovelace) e Kabrina (Kabrina Adams), outras garotas skatistas com quem acaba fazendo amizade. A inclusão de Camille no grupo é autêntico e sem romantismos. Enfim, a protagonista encontra a sensação de pertencimento e aceitação que precisava para legitimar sua liberdade sobre rodas.
É bastante rica e assertiva a escolha por personagens reais para dar vida à história. Percebe-se a naturalidade como a direção de Crystal conduz a narrativa dramática do filme, e traz para ele questões do universo escolhido por ela, e atividades comuns aquelas garotas no seu dia-a-dia na cidade.
Skate Kitchen carrega a essência da juventude em sua estética, possui assim, uma composição naturalista que mistura de forma simples documentário e ficção, mas que consegue também transmitir leveza e simplicidade em seus movimentos de câmera, quando, por exemplo, esta parece dançar junto das personagens em suas manobras. As cenas que retratam as aventuras na cidade por parte das garotas se assemelham ao videoclipe, obtendo uma música animada enquanto vemos as experiências libertadoras que a protagonista presencia.
Não se tem em Skate Kitchen uma problemática central, o filme é despreocupado em desenvolver questões dramáticas, como o relacionamento de Camille com sua mãe ou seu pai. O longa opta por dar mais destaque na liberdade que a menina possui sob a prancha de skate, e suas experiências de juventude, algo que a permita que ela se faça enxergar no mundo, mesmo que não saiba o que quer para o futuro.
A história caminha mais a partir do momento que Camille se aproxima de Devon (Jaden Smith), um jovem skatista que faz fotos de seus amigos e seus movimentos. Os dois começam uma amizade e a menina é incluída também no grupo dos garotos. Essa aproximação, no entanto, poderá gerar conflitos, já que as meninas possuem uma certa rivalidade com aqueles skatistas. Ao longo da trajetória de Camille, nota-se a mudança de seu comportamento, ela deixa de parecer uma menina tímida, e se mostra alguém que está disposta a correr riscos por aquilo que deseja e acredita.
O filme abre espaço de fala sobre experiências femininas dentro do universo das jovens, propõe reflexões sobre o que é a vida de uma garota na modernidade, sobre o que pensam, como se comportam, o que limita suas vidas ou o que expande suas perspectivas. Há cenas de diálogos sobre feminismo, machismo, liberdade sexual e menstruação, em que as jovens compartilham entre elas suas experiências, angústias e dúvidas. Essas conversas são espontâneas e sinceras, dentro de um clima descontraído e sem peso dramático.
Porém, quando Janay e as outras garotas do grupo descobrem que Camille está próxima de Devon, a primeira reação é acusar a menina de traição, a acusando de ter tido relações sexuais com o rapaz (ex namorado de Janay). Com isso, ela é expulsa do grupo. Diante desse conflito, pode-se perceber que ainda há antagonismos que circulam o imaginário das mulheres com relação a elas mesmas.
Me parece um caminho comum colocar a cumplicidade entre amigas abalada por conta de um rapaz, e ainda mais quando a pessoa prejudicada na história é a mulher. Porém a dualidade de pensamentos por parte das jovens, ajuda a dar camadas realistas para história, pois ainda vivemos em uma sociedade cheia de preconceitos enraizados, e pensar nisto é valoroso.
Ficha técnica:
Título Original: Skate Kitchen
Duração: 1 hora e 46 minutos
Ano: 2018
Direção: Crystal Moselle
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