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SLAXX | O JEANS ASSASSINO E A EXPLORAÇÃO CAPITALISTA


O gênero de horror no cinema tem atravessado o último século como uma forma de expressar aquilo que aterroriza os seres humanos em diferentes escalas. Um desses primeiros estímulos surgiu com o movimento do Expressionismo Alemão na década de 1920. Duas décadas depois, em meio aos impactos econômicos e sociais causados pela Segunda Guerra Mundial, uma outra forma de expressão fílmica surgiu a partir da figura da femme-fatale em filmes como Pérfida (1941) e Pacto de Sangue (1944). Na sequência desses eventos, outro movimento que ganhou bastante projeção foram os filmes de monstros e zumbis, representados fortemente por clássicos como “A Noite dos Mortos Vivos” (1968), de George Romero.


Os inúmeros ciclos e movimentos do gênero terror referenciam fortemente o momento histórico de sua época. Essa pode ser uma explicação provável do destaque que o terror psicológico assume dentro do cinema contemporâneo. Da mesma forma que outras produções que carregam em si toda uma carga crítica ao Capitalismo e à violência originária da nossa relação com as novas tecnologias. Pensando nesta reflexão, iremos apresentar hoje um filme nada convencional, que tem como vilão um jeans assassino. Estamos falando de “Slaxx” (2019) da diretora canadense Elza Kephart.


Elza Kephart já possui trabalhos nesta mesma linha do terror. Em 2003, sua estreia nos longas-metragens foi com o terror cômico “Graveyard Alive”, história de uma enfermeira que devorava homens depois de ser infectada por zumbis. Dez anos depois ela realizou “Go in the Wilderness”, um drama fantástico que acompanha a primeira mulher de Adão, Lilith, quando ela sai do Jardim do Éden e se aventura no mundo. Dando continuação ao seu trabalho, ela faz “Slaxx”, um filme de terror que coloca a crítica social ao consumismo ao lado da comédia ou da sátira.


Em “Slaxx” acompanhamos Libby McClean, uma jovem idealista e ingênua que realiza seu desejo de trabalhar na Canadian Cotton Clothiers, uma empresa de roupas que se diz descolada, alinhada com a diversidade cultural. Uma posição que se assume pela empresa apenas no seu caráter superficial e de aparência da sua missão. Sua primeira experiência na loja coincide com o lançamento de uma nova marca de calças jeans, que independe de gênero e se ajusta a qualquer formato ou tamanho de corpo. Mas o que ninguém espera é que a vestimenta ganhe vida e assuma um instinto assassino.


Assim como Rubber - O Pneu Assassino (2010), O Vestido Maldito (2018), Sofá Assassino (2019) e Bad Hair (2020), “Slaxx” faz parte de uma linha de filmes de terror em que objetos inanimados adquirem vida própria e se tornam uma ameaça a todos que cruzam seu caminho. É nesse contexto que essa linha de filmes geralmente nos instiga uma impressão bastante exagerada e esdrúxula na representação da realidade.


Apesar dessa característica, este é um tipo de produção que alcança uma complexidade para além do seu aparente despojamento. O que Elza Kephart faz aqui é um excelente uso das suas escolhas estéticas e narrativas da obra. O exercício é o da releitura dos slashers dos anos 1980 e 1990 a partir de uma representação mais moderna de uma narrativa desenvolvida a partir de uma loja de roupas.

O roteiro é consciente da superficialidade no modo como o tema é tratado e apresentado ao espectador. Uma prova disso é o caráter fantástico presente no filme a partir da posição assumida pela peça de roupa. Uma vez que a calça jeans possui personalidade própria, consegue matar de forma inesperada, cruel e bastante sangrenta e se comporta até de maneira inesperada ao demonstrar gosto, por exemplo, por música indiana.


Por trás de toda a matança feita pela calça, há no entanto, uma crítica aberta à sociedade do consumo, como a própria diretora afirma: “o filme veio com objetivo de fazer uma crítica ao capitalismo e ao consumismo.” E percebemos que toda a construção da trama propõe, através dos exageros e da construção dos cenários e personagens, evocar uma opinião bem marcada sobre grupos empresariais que lucram em cima de atos ilegais.


Para quem já trabalhou com vendas, é nítido o posicionamento do filme, quando mostra o gerente despreocupado com os funcionários e atento apenas nos resultados que a companhia venha a alcançar. Essa falta de consideração por parte do “patronato” empresarial é refletida no filme na própria forma como os trabalhadores abrem mão das suas funcionalidades e da sua posição no trabalho exercido.


Tudo no filme é demasiadamente exagerado. Os efeitos são muito superficiais e rústicos. A atuação presente no componente dramatúrgico é expansiva, a maioria dos personagens são estereótipos desprovidos de qualquer aprofundamento e ao longo do desenrolar da história fica mais impossível de acreditar nas motivações presentes na própria estória. A calça esmaga, morde, decepa, arrasta de forma bizarra as pessoas.


Opera a dinâmica pelo “choque” de um terror que carrega ao mesmo tempo um coeficiente da comédia e da crítica social. São pólos que se viralizam numa mesma dimensão para gerar justamente esse estranhamento de um terror fantástico, absurdo por natureza. Essa é uma questão importante porque nem sempre o filme precisa fazer sentido para o público, só basta conseguir passar sua mensagem ou propor uma experiência condizente àquilo que deseja propor.


É nesse sentido que um filme sobre uma calça assassina não seria uma obra-prima nos termos destacados para as obras assim ressaltadas, porém ela leva seus méritos. Já que a diretora demonstra controle das escolhas estéticas, modulando um tom irônico desde o início do longa e usando as características do terror para proporcionar uma experiência de gênero junto ao espectador.


A crítica ao mercado da moda que se utiliza do trabalho ilegal parece ainda uma abordagem pouco trabalhada na história do cinema. Uma perspectiva que ganha força, ainda que sob a veia escatológica de uma indumentária assassina que oprime as figuras que operam a máquina do sistema capitalista e seu “modus operandi” mortal.



Direção: Elza Kephart | Ano: 2019 | País: Canadá


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