Durante alguns anos vem crescendo a produção de filmes de terror bem diferente do Slasher e seus derivados. Temos agora histórias de ritmo desacelerado que dispensa o uso do susto e que se preocupa em abordar o psicológico através da atmosfera. E é neste cenário que surge o filme “The Other Lamb“, traduzido como "O rebanho" para o portuguies, da diretora polaca Malgorzata Szumowska.
De acordo com a própria diretora, “The Other Lamb“ seria "um grito sombrio contra o patriarcado", assim temos um grupo de mulheres que vivem em irmandade num complexo rural em uma floresta. Lá elas não possuem contato com tecnologia ou estudo, vivem apenas para seguir seu líder, o Pastor Michael.
Apenas são aceitas mulheres no grupo, sendo o Pastor o único homem. As mulheres mais velhas são chamadas de esposa por ele, e as novas seriam as filhas. Porém todas fazem parte do seu rebanho, como ele mesmo diz.
O filme tem foco em Selah, uma das adolescentes filhas do Pastor que está se preparando para assumir o papel de esposa após sua primeira menstruação. A menina chama atenção pela sua aparência angelical e melancólica, e talvez seja esta uma das características que faz a moça se destacar para o seu líder.
Todas as moças seguem o líder homem com a esperança de se tornarem puras dos pecados de Eva, a primeira mulher, e há um discurso de proteção e aceitação que faz com que as moças procurem a atenção do Pastor, o que não é uma das melhores coisas, mas para elas era seu único propósito.
Há um padrão no comportamento do pastor para com as mulheres. Enquanto são crianças e jovens ele as trata como seres puros e delicados, porém com a chegada da menarca (primeira menstruação), ele passa a vê-las como impuras que precisam ser domesticadas ou punidas.
Na cena em que Selah é confiada para o ritual do nascimento de cordeiros, temos a experiência da protagonista em sua primeira menstruação, sozinha, ela grita por acreditar que se perdeu sua inocência, a diretora oculta a potência deste grito já que se trata de um ato íntimo da jovem por não compreender bem o que passa em seu corpo. A partir daí ela passa a ter visões e alucinações que a fazem questionar as ações do líder do rebanho.
O filme causa um estranhamento pela atmosfera misteriosa e ritmo lento. Não conseguimos ter a dimensão do tempo em que os personagens estão inseridos, e por causa da fragmentação das informações em determinados momentos, não conseguimos entender a linha temporal em que as coisas acontecem.
Com isso “The Other Lamb“ não é um filme fácil de deduzir, a autora não revela os significados de mão beijada ao público. Todas as informações estão postas na mise en scène através dos planos bem compostos, do ambiente hostil da floresta, no comportamento dos personagens, nos diálogos e na concepção sonora.
O zoom é utilizado dentro da linguagem para revelar algumas informações narrativas e indicar o olhar do personagem que vê algo que não deveria ser visto. Também há imagens que remetem o sonho e a imaginação, revelando o que se passa na mente de Selah, e estas imagens se assemelham às artes plásticas.
Após a polícia obrigar Michael e as mulheres a se retirarem onde estavam instalados, o homem precisa manter o controle para conduzir todas mulheres em uma viagem que poderá lhe causar perdas. Fragilizado, sem saber se irão encontrar um novo lugar para ficar, ele se desestabiliza a cada dia incerto, e aos poucos revela sua verdadeira face, seu eu impuro e misógino.
O ato sexual é completamente desconhecido pelas jovens, e com isso a violação passa despercebida pela falsa convicção de purificação dada pelo líder. Porém, Selah percebe o abuso e começa a rebelar-se. E quanto mais o roteiro se lança no abismo da submissão e do abuso, mais é explorado as tensões das mulheres para com uma realidade amarga.
Os elementos da natureza estão muito presentes no filme não só através das paisagens mas também na simbologia. O fogo por exemplo simboliza através das imagens as perturbações internas dos personagens, e a água seria um elemento de transição para as mulheres (morte ou liberdade). Além da simbologia cristã das ovelhas, sendo elas destinadas ao sacrifício.
“The Other Lamb“ seria então um conto de revolta contra o patriarcado em uma estrutura narrativa densa sobre a emancipação feminina, trás o onírica e místico através do uso das imagens e dos sons. E por mais que a história possa ser confusa para alguns espectadores, isso não desqualifica a originalidade deste rico trabalho cinematográfico.
Título original: The Other Lamb
Ano: 2019
Direção: Małgorzata Szumowska
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