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TÁR | O ARTISTA E O ABUSO DE PORDER


As notícias de abuso e assédio dentro do meio artístico tem se tornado uma constante nos últimos anos. Muitos casos e polêmicas vieram à tona na mídia e o cinema não poderia deixar de contar essas histórias. Filmes como O Escândalo (2019), Untouchable (2019) e Look Away (2021) são alguns exemplos que trazem fatos reais de grandes personalidades, na maioria homens, que se envolvem naqueles tipos de violência. É partindo dessa premissa que o filme Tár (2023), dirigido por Todd Field, vai discutir as nuances e os efeitos dos abusos gerados pelas relações de poder. E neste vídeo iremos falar um pouco sobre esta premiada obra.


Para o grande público, Tár chama atenção pela magnífica atuação de Cate Blanchett, porém, a performance da atriz é só um dos pontos de destaque deste longa de 158 minutos. O filme conta um pouco da trajetória de Lydia Tár, primeira maestrina da Filarmônica de Berlim, e cujo trabalho na trama envolve sua preparação, junto a sua orquestra, para o processo de gravação da desafiadora Quinta Sinfonia de Mahler.


Lydia Tár é uma figura fictícia que Field criou justamente para Cate Blanchett interpretar, E é muito interessante como os dois construíram uma personagem minuciosa. Logo nos primeiros minutos do filme o diretor consegue dar destaque a toda a complexidade de uma personalidade com grande reputação, e do tamanho de sua fama. E também temos Blanchett que passa brilhantemente o grau de controle da artista com relação ao seu trabalho, sua obsessão com a própria imagem, e também seu narcisismo.


Então, temos claramente dois perfis de Tár. Um público, onde se destacam as grandes conquistas em sua carreira, e outro privado, com muitas particularidades do comportamento da maestrina, ponto esse onde o filme se foca mais. Acompanhamos de perto momentos da vida da personagem, no trabalho, na vida familiar, e até mesmo da sua mente distintamente conturbada.


Lydia é talentosa, bem-sucedida e tem uma carreira distinta ao se destacar, na condição de mulher, em um meio bastante masculino. Contudo, a personagem não se difere muito dos colegas ao repetir os comportamentos associados ao gênero. Por mais que muitos a admirem pelas suas habilidades, sua conduta ética não é das melhores. Ela se mostra uma figura controladora e, muitas vezes, utiliza do seu poder para se aproveitar daqueles ao seu redor, assedia moralmente funcionários e seduz sexualmente alunas em troca de favores. Mais à frente, ela tem de lidar com as próprias decisões e suas consequências. Mais à frente, ela tem de lidar com as próprias decisões e suas consequências.


Pensando na construção estética e cênica, percebemos um realismo quase obsessivo em todo o filme. A maior parte das cenas têm, uma longa duração, uma câmera estática que mostra cada momento quase em tempo real. O período das ações é, ao todo, lento, justamente por que a vida cotidiana não é sempre dinâmica, assim como nem sempre há uma resposta para tudo o que é mostrado no filme, havendo lacunas que o espectador precisa juntar por si só.


Mas seguir o caminho onde se mostra mas nem sempre se dá uma opinião é algo tênue. Temáticas como assédio moral e sexual, abuso de poder, obsessão, controle e os dilemas do “artista versos obra” aparecem neste longa, mas o diretor apenas as expõem deixando para o espectador ditar aquilo que é certo ou errado. É neste ponto que o trabalho pode não agradar a todos.


Marin Alsop, maestrina da Sinfônica de Chicago, afirmou ao jornal britânico “The Sunday Times”, que ficou ofendida ao assistir ao longa e percebendo muitos traços de sua vida espelhados na personagem. Ela aponta que já foram revelados muitos casos envolvendo abusos de poder, e ataques sexuais na música clássica feitos por homens, e que poderiam servir como base para o filme. Temos, por exemplo, o falecido James Levine, pianista e maestro, que foi acusado de abusar de nove alunos, em 2018.


Não é segredo que quando uma mulher entra em um campo profissional predominantemente masculino, ela precisa enfrentar muitas barreiras para conseguir destaque. No longa de Todd Field não sabemos bem como foi o início da carreira de Tár, e ficamos na dúvida se a artista teve dificuldades, ou se ela usou do fato de ser uma mulher ao seu favor ou não. O foco maior do filme está na decadência de uma mulher que, diante do grande poder e fama, precisou lidar com as consequências de sua conduta imoral. Algo que seria diferente para muitos homens na mesma situação.


Então ficam algumas dúvidas sem respostas: mulheres com talento e poder só sobressaem por que se assemelham aos homens? Será que o feminino não pode construir sua própria estrutura de poder sem ter que ceder a condutas tóxicas masculinas? Podemos até dizer aqui que Tár não é nada de feminia ou feminista, sua atitude é desprezível, porém, algumas escolhas do diretor devem ser questionadas, visto que existe todo um contexto delicado sobre a construção do feminino no cinema hegemônico.


Como obra cinematográfica constituída de um pensamento, também estético, e uma construção de personagem naturalista, temos, sim, um filme que merece reconhecimento por conseguir alcançar seus objetivos com êxito. Porém, devemos sim questionar e problematizar a escolha de se colocar uma mulher neste lugar de agressor, uma vez que Tar é fortemente orientada pelos vícios de uma masculinidade adoecida. Nosso desejo é o de que os novos trabalhos deste diretor, e de outros, reflitam melhor o lugar onde a mulher contemporânea está sendo apresentada e representada para o público que estabelece uma relação com o cinema enquanto forma direta de acesso à arte.


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