O filme XX é uma obra coletiva que traz quatro contos de terror dirigidos por quatro diretoras, cada um com atmosfera própria. Cada história procura mostrar uma perspectiva feminina no gênero, o que é uma iniciativa interessante, mas repleta de decisões mal sucedidas.
Na história A Caixa, dirigida por Jovanka Vuckovic, o espectador acompanha a deterioração de uma família a partir do momento que o filho mais passa a ter um comportamento muito estranho logo após olhar algo que estaria dentro de uma misteriosa caixa. Os dias vão passando e a situação do menino só piora. O segredo é revelado apenas para o pai e para a irmã, fazendo com que ambos adquiram o mesmo comportamento do garoto, sendo a mãe a única que permanece saudável no ambiente familiar.
O terror aparece o tempo todo na atmosfera do filme e isso é resultado de um roteiro que sustenta o mistério por ocultar o que gerou tal reação até o final da estória. Porém há uma divergência na composição das personagens, principalmente a da mãe. Por mais que o conto queira trazer a visão dela diante do terror, a atuação causa impressão de indiferença em certos momentos e que força uma relação com os outros. Além disso, os personagens não convencem como família.
A segunda história, O Bolo de Aniversário, dirigido por St. Vincent, conta a história de Mary, uma mãe que tenta esconder o corpo do marido morto durante o aniversário da filha para que a festa não seja prejudicada. Assim, a mulher precisa lidar com o ocorrido silenciosamente até que a festividade acabe.
Neste segmento temos o terror de forma diferente e menos efetiva. A direção não consegue equilibrar os elementos narrativos com os dispositivos usados constantemente no gênero. Um exemplo é a composição sonora que busca conduzir as emoções do espectador. O recurso é utilizado como um artifício simplista para causar suspense em momentos sem qualquer tensão.
A narrativa se apoia muito na abordagem do terror interno desta mulher, que precisa lidar com muitas questões ao mesmo tempo. Isso, a propósito, é algo bastante comum para uma mulher moderna. E só esta premissa já enriqueceria a trama, sem necessidade do elemento da morte do marido, o que colabora para que a trama se torne mais inflada ainda. O que deixa a fraqueza desta história ainda mais evidente é o uso de uma cartela no final, explicando a existência de um futuro trauma gerado na aniversariante ocasionado pelo acontecimento.
Na terceira parte da antologia, chamada Não Caia, a diretora Roxanne Benjamin constrói uma história clássica que possui referências do gênero Slasher. Nela, acompanhamos um grupo de quatro jovens que decidem explorar e acampar em uma área distante. O ambiente descontraído é carregado por tensões por conta do ambiente hostil, e Gretchen, uma das moças do grupo, acidentalmente desperta uma antiga maldição.
O conto tem um bom início. As primeiras cenas mostram a dimensão do ambiente através dos grandes planos. E evidencia também o mistério que existe no local através dos desenhos na crosta das pedras de origem desconhecida. Porém a narrativa não consegue se desenvolver efetivamente como se espera.
Para suprir a fraca abordagem adotada na dramaturgia do filme, a diretora usa muitas vezes o som para causar tensão em momentos que não necessariamente nos levaria a essa percepção. O fato da garota virar um demônio ao ter contato com um lugar primitivo é interessante, porém descarta qualquer desenvolvimento de uma reflexão sobre o feminino ou algo do tipo, focando assim apenas na ideia de uma carnificina sem explicação.
A quarta história, intitulada O Único Filho Vivo, dirigido pela experiente Karyn Kusama, diretora de “Garota Infernal”, comparada com as outras, é a mais equilibrada. Apesar disso, não há como deixarmos de notar algumas falhas na construção do roteiro de modo geral.
Temos mais uma vez a maternidade em pauta, porém agora a mãe esconde do filho informações sobre seu pai. No entanto, ao longo do desenvolvimento da maturidade, o garoto adquire comportamentos cada vez mais violentos. A referência ao longa “O Bebê de Rosemary" de Roman Polanski é clara, principalmente quando pensamos nessas evidências de uma figura paterna demoníaca no seio de uma família comum.
A história é densa, mas o som é equilibrado, cria e garante uma atmosfera necessária para fazer presente o terror. A atuação não é convivente, mas nos leva a uma reflexão interessante ao colocar a maternidade como pauta de uma forma diferente das outras histórias. Uma vez que ela aborda o amor incondicional da mãe de forma quase irracional, com locando em primeiro plano os conflitos internos da estrutura familiar contemporânea.
Um ponto positivo neste longa de 1h e 20, são as animações inseridas entre um capítulo e outro. O stop-motion possui uma riqueza de detalhes plásticos e sonoros e este é um trabalho cujo mérito é todo de Sofia Carrillo que cria aqui um universo gótico de características surreais, tem uma estética própria, mas que procura estar alinhada às demais histórias.
"XX" é um exemplo de que, além de um bom roteiro, as escolhas de direção definem o resultado da obra como um todo. As quatro cineastas usam analogias interessantes para ilustrar o que seria uma visão feminina do terror, porém não podemos dizer que o terror feminino se trata apenas das questões pautadas nestes filmes, pois há um campo rico de possibilidades ao se falar do universo das mulheres.
Título original: XX
Direção: Roxanne Benjamin, Jovanka Vuckovic, Karyn Kusama, St. Vincent
País: Estados Unidos
Ano: 2017
Duração: 80 min
Comments